Radar Fiscal

Vias nas favelas: o que os números do Censo revelam sobre mobilidade e qualidade de vida

Vias nas favelas: o que os números do Censo revelam sobre mobilidade e qualidade de vida

Compartilhe esse artigo:

WhatsApp
Facebook
Threads
X
Telegram
LinkedIn

Quando o IBGE divulgou os resultados do Censo de 2022, um dos números que mais me chamou a atenção foi o da mobilidade nas favelas. São 3,1 milhões de pessoas – quase 20% dos moradores dessas áreas – que ainda vivem em ruas onde só é possível andar a pé, de bicicleta ou de moto. Parece um detalhe, mas na prática isso mexe com tudo: da coleta de lixo ao atendimento de urgência médica.

Um panorama rápido dos dados

Para quem ainda não viu o levantamento, aqui vai um resumo dos pontos mais relevantes:

  • 19% dos moradores de favelas (ou 3,1 milhões de pessoas) vivem em vias sem acesso para veículos de grande porte.
  • Fora das favelas, esse número cai para 1,4%.
  • Por outro lado, 62% dos residentes de favelas têm ruas que comportam ônibus e caminhões, contra 93% nas demais áreas.
  • Somente 54% das casas nas favelas contam com calçada ou passeio, enquanto o número chega a 89% fora delas.
  • Menos de 1% dos moradores de favelas têm sinalização para bicicletas.
  • Iluminação nas vias: 91,1% nas favelas versus 98,5% no restante do país.

Por que isso importa no dia a dia?

Eu moro numa cidade onde a maioria das ruas tem asfalto, calçada e ponto de ônibus próximo. Quando preciso ir ao posto de saúde ou ao supermercado, basta pegar o ônibus ou chamar um carro. Agora imagine que, ao abrir a porta de casa, a única saída seja um caminho estreito de terra, sem iluminação, sem calçada e onde nenhum caminhão consegue passar. A realidade de quem vive assim é bem diferente.

Alguns exemplos práticos:

  • Coleta de lixo: caminhões de coleta não conseguem entrar, então o lixo fica acumulado nas calçadas, aumentando riscos de doenças e mau cheiro.
  • Emergência médica: ambulâncias podem ter dificuldade para chegar rapidamente ao local, atrasando o socorro.
  • Transporte escolar: crianças que precisam caminhar longas distâncias podem chegar atrasadas ou até perder a aula.
  • Comércio local: sem acesso de caminhões, o abastecimento de lojas fica mais caro e menos frequente.

Desigualdade que vai além da estrada

Os números do Censo mostram que a falta de infraestrutura nas favelas não se resume só a ruas estreitas. Veja alguns indicadores que reforçam essa diferença:

  • Asfalto: 78,3% das vias nas favelas são pavimentadas, contra 91,8% nas demais áreas.
  • Arborização: apenas 35,4% das ruas nas favelas têm árvores, enquanto fora delas são 69%.
  • Calçadas sem obstáculos: só 3,8% nas favelas têm calçadas livres de barreiras, comparado a 22,4% fora.
  • Ramps para cadeirantes: mais de 95% das vias nas favelas não têm rampas, número que ainda é alto (81%) fora das áreas vulneráveis.
  • Bueiros: menos da metade (45,4%) das vias nas favelas tem bueiros, o que aumenta risco de enchentes.
  • Pontos de ônibus ou van: apenas 5,2% dos moradores têm um ponto próximo, menos da metade da taxa geral (12,1%).

Como esses problemas afetam diferentes grupos?

Não é só questão de mobilidade: a falta de acessibilidade tem impacto direto em grupos vulneráveis:

  • Idosos: caminhar por ruas irregulares e sem iluminação aumenta o risco de quedas.
  • Personas com mobilidade reduzida: a ausência de rampas e calçadas adequadas pode tornar impossível sair de casa sem ajuda.
  • Motociclistas e ciclistas: a falta de sinalização e de vias seguras coloca em risco quem depende desses meios de transporte.
  • Famílias de baixa renda: dependem mais de transporte público; a escassez de pontos de ônibus dificulta o acesso a empregos e serviços.

O que pode ser feito?

Não basta apontar os números; precisamos pensar em soluções práticas. Aqui vão algumas ideias que, na minha opinião, poderiam mudar o cenário:

  1. Mapeamento participativo: envolver moradores na identificação de trechos críticos e priorizar intervenções.
  2. Parcerias público‑privadas: empresas de construção podem ser incentivadas a melhorar a infraestrutura em troca de benefícios fiscais.
  3. Micro‑logística de coleta: usar veículos menores ou até bicicletas de carga para recolher lixo em vias estreitas.
  4. Unidades móveis de saúde: vans equipadas podem levar serviços de atenção básica direto às comunidades, driblando a dificuldade de acesso de ambulâncias.
  5. Programas de iluminação solar: postes alimentados por energia solar são mais fáceis de instalar em áreas sem rede elétrica consolidada.
  6. Planejamento de ciclovias temporárias: pintar faixas de uso exclusivo para bicicletas em vias que ainda não têm sinalização oficial.

O papel do cidadão

Como leitor, você pode se perguntar: “O que eu faço diante de tudo isso?” A verdade é que mudanças de grande escala exigem pressão coletiva, mas pequenas ações individuais também contam:

  • Compartilhe esses dados nas redes sociais para ampliar a discussão.
  • Participe de conselhos comunitários ou audiências públicas sobre mobilidade urbana.
  • Voluntarie‑se em projetos locais de limpeza ou de melhoria de calçadas.
  • Exija dos seus representantes políticos planos claros para a infraestrutura das favelas.

Um olhar para o futuro

O Censo 2022 foi a primeira vez que o IBGE trouxe dados tão detalhados sobre favelas e comunidades urbanas. Isso já é um avanço, porque antes a gente só tinha números gerais que mascaravam a realidade. Agora, com informações específicas, fica mais fácil planejar políticas públicas mais justas.

Se continuarmos a monitorar esses indicadores nos próximos censos, poderemos ver evoluções reais – ou, infelizmente, retrocessos. O que me deixa esperançoso é que, ao tornar esses números públicos, o governo e a sociedade civil têm uma ferramenta poderosa para cobrar melhorias.

Em resumo, as ruas que não recebem veículos de grande porte são mais do que um detalhe de trânsito: são reflexo de desigualdades históricas que afetam saúde, educação, segurança e dignidade. Entender esses números nos ajuda a enxergar o que precisa mudar e, quem sabe, a participar ativamente da construção de cidades mais justas.

E você, já percebeu como a qualidade das vias influencia a sua rotina? Compartilhe sua experiência nos comentários – a troca de histórias pode ser o primeiro passo para transformar a realidade.