Se você acompanha as notícias econômicas, já deve ter visto a projeção de que o salário mínimo pode chegar a R$ 1.621 em 2026. A cifra parece boa na primeira leitura, mas o que está por trás desse número? Neste texto, eu vou destrinchar como a correção funciona, quais são os impactos nas contas públicas e, principalmente, o que isso pode mudar no seu dia a dia.
Como a fórmula de correção foi construída?
O cálculo usado pelo g1 segue a regra tradicional de somar dois índices:
- Inflação medida pelo INPC nos últimos 12 meses (até novembro). O IBGE divulgou 4,18% para esse período.
- Crescimento real do PIB dos dois anos anteriores. Para 2026, considerou‑se o PIB de 2024, que subiu 3,4%.
Mas há um detalhe importante: a lei aprovada no fim de 2023 impôs um teto de 2,5% para a parte “real” da correção, como parte do arcabouço fiscal. Assim, a fórmula final ficou assim:
Salário Mínimo 2026 = Salário Atual × (1 + 0,0418 + 0,025) ≈ R$ 1.621.
Em números simples, isso representa um aumento de R$ 103 em relação ao piso de R$ 1.518 que está em vigor hoje.
O que esse aumento significa no seu bolso?
Para quem recebe o salário mínimo ou tem benefícios atrelados a ele (como o BPC, o abono salarial ou o seguro‑desemprego), a mudança será refletida já no pagamento de fevereiro de 2026, já que o reajuste entra em vigor a partir de janeiro.
Mas vale lembrar que o poder de compra não depende só do número. A inflação acumulada nos últimos 12 meses foi de 4,18%, então parte do aumento serve apenas para repor a perda de valor da moeda. O que sobra – cerca de 2,5% – é o “ganho real”. Em termos práticos, isso equivale a um acréscimo de R$ 38,00 no salário.
Se você costuma fazer contas de despesas mensais, pode dividir esse valor extra nas categorias que mais sente falta: alimentação, transporte ou até uma pequena folga no fim de semana. Ainda assim, o aumento não cobre a diferença entre o salário mínimo e o custo real de vida para uma família de quatro pessoas, que segundo o Dieese seria de R$ 7.067,18 – ou 4,66 vezes o piso.
Impacto nas contas públicas: quanto o governo vai gastar?
Todo aumento no salário mínimo tem um efeito cascata nos gastos obrigatórios do Estado. Benefícios previdenciários, abono salarial, seguro‑desemprego e o próprio BPC não podem ficar abaixo do piso. Cada R$ 1 de aumento gera, segundo cálculos oficiais, cerca de R$ 420 milhões em despesas adicionais.
Com um acréscimo de R$ 103, isso representa aproximadamente R$ 43,2 bilhões a mais em despesas obrigatórias para 2026. Esse montante sai do chamado “orçamento discricionário”, que é a parte que o governo pode usar para projetos de saúde, educação, infraestrutura, entre outros.
Em resumo: o aumento do salário mínimo traz mais dinheiro para a mesa de milhões de trabalhadores, mas também reduz a margem de manobra do governo para investir em políticas públicas que não são obrigatórias.
O debate dos economistas: vale a pena limitar o reajuste?
Alguns especialistas defendem que o piso dos benefícios previdenciários deveria ser desvinculado do salário mínimo, passando a ser corrigido apenas pela inflação, como ocorreu no governo anterior (Bolsonaro). A ideia é conter a explosão das despesas obrigatórias e evitar que a dívida pública cresça ainda mais.
Por outro lado, sindicatos e movimentos sociais argumentam que o salário mínimo tem um papel de referência para toda a economia. Quando ele sobe, há um efeito de “salário médio” que eleva o poder de compra de quem ganha acima do piso, impulsionando o consumo e, em teoria, estimulando o crescimento.
É um dilema clássico: equilibrar justiça social com sustentabilidade fiscal. Cada decisão tem consequências diferentes para quem ganha pouco, para quem administra o orçamento e para a saúde da economia como um todo.
Salário mínimo ideal: o que os números dizem?
O Dieese fez um cálculo que costuma aparecer em debates: para que uma família de quatro pessoas viva com dignidade, o salário mínimo deveria ser R$ 7.067,18. Essa conta considera alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência – tudo o que a Constituição prevê como garantia mínima.
Obviamente, esse número está muito distante da realidade atual. Mas ele serve como um parâmetro de quanto o piso está aquém das necessidades básicas. Enquanto isso, o aumento de R$ 103 representa apenas 1,5% desse valor ideal.
Como se preparar para a mudança?
Se você recebe o salário mínimo, aqui vão algumas dicas práticas:
- Reveja seu orçamento: anote todas as despesas fixas e variáveis. Identifique onde o aumento de R$ 38 (ganho real) pode ser alocado.
- Priorize a alimentação: com a inflação ainda alta, garantir comida de qualidade é essencial. Use o extra para comprar alimentos em promoção ou em mercados atacadistas.
- Invista em capacitação: se houver espaço no orçamento, destine parte do acréscimo para cursos que aumentem sua empregabilidade.
- Fique de olho nos benefícios: o aumento do salário mínimo pode elevar o valor de benefícios como o BPC e o abono salarial. Verifique se você tem direito a algum deles.
Lembre‑se também de que o aumento pode ser temporário se a inflação subir novamente no próximo ano. Por isso, mantenha sempre uma reserva de emergência.
O que esperar nos próximos anos?
Se a regra atual permanecer, o salário mínimo deve continuar seguindo a mesma lógica: inflação + parte do crescimento real do PIB (limitada a 2,5%). Isso significa que, em cenários de crescimento econômico mais robusto, o aumento real pode ficar próximo do teto, mas ainda assim será limitado por questões fiscais.
Além disso, a pressão da sociedade por um piso mais condizente com o custo de vida pode gerar novas discussões no Congresso. Propostas de reajuste automático acima do teto ou de revisão da fórmula podem surgir, especialmente se a inflação permanecer alta.
Conclusão
O salto para R$ 1.621 em 2026 traz boas notícias para quem recebe o salário mínimo, mas também levanta questões importantes sobre sustentabilidade fiscal e justiça social. O aumento real de R$ 38 representa um alívio pequeno, porém significativo, dentro de um cenário onde o custo de vida continua a subir.
Para quem está no mercado de trabalho, a melhor estratégia é usar o extra com inteligência, reforçar a reserva de emergência e buscar oportunidades de qualificação. Para o país, o desafio permanece: encontrar um ponto de equilíbrio que garanta dignidade aos trabalhadores sem comprometer a saúde das contas públicas.
Fique atento às próximas discussões no Congresso e às mudanças nos indicadores econômicos. Afinal, o salário mínimo não é apenas um número; ele reflete a forma como a sociedade cuida de quem está na base da pirâmide.




