Quando eu saio para caminhar na minha rua, gosto de observar se há alguma árvore ao longo do caminho. Uma sombra, um canto verde, faz a diferença no calor do dia, no ar que respiro e até na sensação de segurança. Por isso, quando li que 64% dos moradores de favelas e comunidades vivem em vias sem nenhuma árvore, não consegui deixar de me perguntar: como chegamos a esse ponto e o que isso significa para quem mora nesses lugares?
O que o Censo 2022 revelou?
O IBGE divulgou, nesta sexta‑feira (5), dados detalhados sobre as condições das ruas nas favelas e comunidades urbanas. Os números são claros:
- Mais de 10 milhões de pessoas vivem em vias totalmente desprovidas de árvores.
- Em contrapartida, apenas 5,7 milhões têm ao menos uma árvore na rua onde moram.
- Fora das áreas de vulnerabilidade, a proporção de ruas sem árvores cai para 31% – ainda alto, mas quase metade do que acontece nas favelas.
Esses dados não são apenas estatísticas frias; eles mostram uma desigualdade socioespacial que se reflete no cotidiano das famílias.
Por que a presença de árvores importa?
Árvores nas vias urbanas trazem benefícios que vão muito além da estética:
- Regulação térmica: sombra reduz a temperatura ambiente, diminuindo o uso de ar‑condicionado e, consequentemente, a conta de energia.
- Qualidade do ar: as folhas filtram poluentes, algo essencial em áreas densamente povoadas.
- Saúde mental: contato visual com a natureza reduz estresse e ansiedade.
- Segurança: ruas arborizadas tendem a ter menos acidentes e mais sensação de bem‑estar.
Quando esses benefícios faltam, a população sente o impacto direto no bolso e na saúde.
Desigualdade dentro das próprias favelas
O Censo também trouxe um panorama interno: algumas comunidades se destacam, enquanto outras ficam bem atrás.
- Sol Nascente (DF) – 71% dos moradores têm ao menos uma árvore na via.
- Zumbi dos Palmares/Nova Luz e Grande Vitória (Manaus, AM) – 58% e 46%, respectivamente.
- Por outro lado, Rio das Pedras (RJ) tem apenas 3,5% de ruas arborizadas.
Essas diferenças revelam que políticas públicas não são uniformes. Alguns municípios investem em arborização, enquanto outros deixam a desejar.
Calçadas e acessibilidade: outro ponto crítico
Além das árvores, o estudo analisou a qualidade das calçadas. Nos 20 maiores conjuntos habitacionais, apenas 2,4% dos moradores vivem em trechos de calçadas sem obstáculos. Em áreas como a Rocinha (RJ) e Grande Vitória, esse número é inferior a 0,5%.
Comparativamente, fora das favelas, 22% das calçadas são consideradas adequadas. Quando a gente pensa em mobilidade – crianças indo à escola, idosos caminhando, serviços de entrega – a falta de calçadas seguras cria barreiras reais.
Pavimentação e capacidade de carga das vias
Outro aspecto importante: a pavimentação. Enquanto 92% das ruas fora das favelas são pavimentadas, nas comunidades esse número cai para 78%. Ainda parece alto, mas a diferença se reflete na qualidade do asfalto, que costuma ser mais precário.
A capacidade de carga também é preocupante. Apenas 62% das vias nas favelas suportam veículos de grande porte (caminhões, ônibus). Isso afeta diretamente a coleta de lixo, o abastecimento de água e, sobretudo, o acesso de ambulâncias em situações de emergência.
O que pode ser feito? Ideias práticas e políticas
Com base nos números, fica claro que precisamos de intervenções coordenadas. Aqui vão algumas sugestões que, na minha opinião, podem fazer a diferença:
- Programas de arborização comunitária: envolver moradores na plantação e manutenção de árvores. Projetos como o “Árvores na Favela” já existem em algumas cidades e podem ser replicados.
- Parcerias público‑privadas: empresas podem destinar parte de seu imposto ou responsabilidade social para financiar praças e corredores verdes.
- Revisão de projetos de urbanização: ao planejar novas vias ou melhorar as existentes, incluir obrigatoriamente canteiros de árvores e calçadas acessíveis.
- Capacitação de lideranças locais: treinar representantes de comunidades para que eles entendam como solicitar recursos e fiscalizar obras.
- Mapeamento digital: usar ferramentas de georreferenciamento para identificar exatamente onde faltam árvores e onde as calçadas são inviáveis, facilitando a alocação de recursos.
Essas ações não resolvem tudo de uma vez, mas são passos concretos que podem mudar a paisagem urbana e, mais importante, a vida das pessoas.
Como isso afeta o meu dia a dia?
Talvez você esteja se perguntando: “E eu, que moro em um bairro mais tranquilo, por que devo me importar?” A resposta é simples – a desigualdade urbana afeta toda a cidade. Quando uma parte da população vive sem sombra, com ruas esburacadas e sem acesso fácil a serviços, o custo social aumenta: mais gastos com saúde, mais tempo gasto em deslocamentos, mais risco de acidentes.
Além disso, cidades mais verdes são mais resilientes a eventos climáticos extremos, como enchentes. Árvores absorvem água, reduzem a velocidade do escoamento e ajudam a evitar alagamentos que, muitas vezes, atingem as áreas mais vulneráveis primeiro.
Então, ao apoiar projetos de arborização ou cobrar dos gestores públicos por melhorias, estamos investindo em um futuro mais sustentável para todos.
O que o IBGE nos diz sobre o futuro?
Letícia Giannella, gerente de Favelas e Comunidades Urbanas do IBGE, destaca que “esse foi o primeiro momento que a gente conseguiu de fato evidenciar essa diferença, essa desigualdade socioespacial”. Essa nova camada de dados permite que políticas sejam mais direcionadas e que recursos cheguem onde realmente são necessários.
Se os próximos censos continuarem a aprofundar essas análises, podemos esperar um mapa ainda mais detalhado, que ajude a medir o impacto das intervenções ao longo do tempo.
Conclusão
Os números do Censo 2022 são um alerta: ainda há muito a ser feito para garantir que todas as ruas brasileiras tenham árvores, calçadas adequadas e infraestrutura capaz de receber veículos de grande porte. Mas, ao mesmo tempo, eles nos dão a ferramenta para planejar mudanças reais.
Se cada um de nós – seja cidadão, líder comunitário ou gestor público – assumir a responsabilidade de olhar para o nosso entorno e cobrar melhorias, podemos transformar essas estatísticas em histórias de sucesso. Afinal, uma árvore pode parecer pequena, mas seu impacto na qualidade de vida é gigante.
Vamos juntos plantar mais sombra, abrir mais caminhos e, sobretudo, construir cidades mais justas.




