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Por que tantas favelas ainda vivem sem árvores nas ruas? Um olhar sobre o Censo 2022

Por que tantas favelas ainda vivem sem árvores nas ruas? Um olhar sobre o Censo 2022

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Quando eu olho para a rua onde moro, vejo árvores espalhadas, sombras que abrigam crianças brincando e ar mais fresco nos dias de calor. Agora imagine viver em uma via onde não há nenhuma árvore, nem sombra, nem aquele ar mais limpo. Parece impossível, mas os números do Censo 2022 do IBGE mostram que mais da metade dos moradores de favelas e comunidades urbanas ainda enfrentam essa realidade.

Os números que assustam

O levantamento aponta que 64% dos moradores de favelas e comunidades vivem em vias sem nenhuma árvore. Em termos absolutos, isso representa mais de 10 milhões de pessoas. Quando a gente compara com o restante do país, a diferença fica ainda maior: fora desses territórios, apenas 31% dos brasileiros moram em ruas sem árvores.

Mas o que isso significa no dia a dia?

Viver sem árvores pode parecer só uma questão estética, mas tem impactos reais:

  • Qualidade do ar: as árvores absorvem poluentes e liberam oxigênio. Sem elas, a concentração de poeira e gases nocivos aumenta.
  • Temperatura: áreas sem sombra ficam mais quentes, o que eleva o consumo de energia (ar‑condicionado, ventiladores) e piora o desconforto térmico.
  • Saúde mental: estudos mostram que ambientes verdes reduzem estresse e ansiedade. A falta de vegetação pode contribuir para um clima urbano mais opressivo.

Desigualdade dentro da própria cidade

O Censo não apenas mostra a diferença entre favelas e áreas “formais”, mas também revela disparidades entre as próprias favelas. Por exemplo, a Rio das Pedras, no Rio de Janeiro, tem apenas 3,5% dos moradores em ruas com árvores, enquanto a proporção fora das favelas na mesma cidade chega a 26%.

Já entre as 20 maiores favelas, algumas se destacam positivamente:

  • Sol Nascente (Distrito Federal) – 71% dos moradores têm ao menos uma árvore na via.
  • Zumbi dos Palmares/Nova Luz (Manaus, AM) – 58%.
  • Grande Vitória (Manaus, AM) – 46%.

Esses números mostram que, apesar da desigualdade geral, há exemplos de políticas ou iniciativas locais que conseguem melhorar a arborização.

Calçadas e acessibilidade: outro desafio

Além das árvores, a pesquisa analisou a qualidade das calçadas. Nas 20 maiores favelas, apenas 2,4% dos moradores vivem em trechos de calçada sem obstáculos. Em lugares como a Rocinha (RJ) e Grande Vitória (AM), esse percentual é inferior a 0,5%.

Para quem já lida com o trânsito caótico, imaginar caminhar por calçadas cheias de buracos, lixo e sem rampas de acesso é desanimador. A falta de acessibilidade afeta principalmente idosos, pessoas com mobilidade reduzida e quem depende de transporte público.

Pavimentação e capacidade das vias

Quando falamos de infraestrutura, a pavimentação também aparece nos dados: 78% dos moradores de favelas vivem em vias pavimentadas, contra 92% fora desses territórios. Ainda que a maioria tenha asfalto ou concreto, a diferença de 14 pontos percentuais indica que ainda há muitas ruas de terra ou paralelepípedos que dificultam o tráfego.

Mas o ponto que mais chama atenção é a capacidade máxima das vias. Apenas 62% dos moradores de favelas vivem em ruas onde veículos de grande porte (caminhões, ônibus) circulam livremente. Fora das favelas, esse número ultrapassa 93%.

Essa limitação tem consequências práticas: coleta de lixo atrasada, dificuldade de acesso de ambulâncias e até problemas para o comércio local que depende de entregas.

Por que essas disparidades ainda existem?

Segundo Letícia Giannella, gerente de Favelas e Comunidades Urbanas do IBGE, a falta de dados específicos sobre favelas sempre dificultou a formulação de políticas adequadas. Agora, com informações detalhadas, fica mais fácil identificar onde investir.

Alguns fatores históricos e estruturais ajudam a explicar a situação:

  • Planejamento urbano insuficiente: muitas favelas surgiram de forma espontânea, sem projetos de infraestrutura.
  • Desigualdade de recursos: municípios mais ricos conseguem destinar mais verba para arborização e manutenção de calçadas.
  • Prioridades políticas: em períodos de crise econômica, investimentos em áreas consideradas “menos urgentes” são postergados.

O que pode ser feito?

Não basta apontar problemas; é preciso pensar em soluções. Algumas ideias que já funcionam em outros lugares podem ser adaptadas:

  1. Programas de plantio comunitário: envolver moradores na escolha e manutenção de mudas cria senso de pertencimento e reduz custos.
  2. Parcerias público‑privadas: empresas podem financiar a arborização em troca de benefícios fiscais ou de imagem.
  3. Requalificação de calçadas: usar materiais de baixo custo e projetos de “calçada universal” para garantir acessibilidade.
  4. Mapeamento digital: apps que permitem que moradores denunciem ruas sem árvores ou calçadas danificadas ajudam a acelerar a resposta dos órgãos públicos.

Como eu, leitor, posso contribuir?

Mesmo que você não viva em uma favela, a qualidade ambiental da sua cidade afeta a todos. Aqui vão algumas ações simples:

  • Participar de mutirões de plantio organizados por ONGs ou prefeituras.
  • Pressionar representantes locais para que incluam a arborização nas agendas de orçamento.
  • Usar aplicativos de cidadania para relatar vias sem árvores ou calçadas precárias.
  • Educar crianças e jovens sobre a importância das áreas verdes.

Olhar para o futuro

Se os próximos censos continuarem a coletar dados detalhados, teremos mais ferramentas para medir o progresso. Imagine um Brasil onde, em 2030, menos de 30% das favelas ainda vivam sem árvores nas ruas. É uma meta ambiciosa, mas alcançável se houver vontade política, investimento e participação da comunidade.

Enquanto isso, cada árvore plantada, cada calçada reparada e cada denúncia feita são passos concretos rumo a cidades mais justas e saudáveis. A mudança começa nos pequenos gestos e nas decisões que tomamos hoje.

Se você ficou curioso sobre como a arborização pode transformar seu bairro, que tal dar uma olhada nas iniciativas locais? Pode ser o ponto de partida para um futuro mais verde, tanto para quem vive em favelas quanto para todos nós.