Na última quarta‑feira (17), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o Projeto de Lei da dosimetria sem maiores atritos. Pode parecer apenas mais um detalhe do trâmite legislativo, mas, se a gente olhar com calma, dá pra entender que há uma estratégia política bem maior por trás dessa decisão. E, como a gente costuma conversar aqui, vale a pena destrinchar o que está acontecendo, porque isso pode influenciar diretamente a forma como vamos votar nas próximas eleições.
O que é a dosimetria e por que ela gera tanto debate?
Em termos simples, a dosimetria é um conjunto de regras que define como serão aplicadas as penas nos casos de crimes de menor gravidade. O PL propõe, entre outras coisas, reduzir penas e tornar o processo de cumprimento mais flexível. Defensores argumentam que a medida ajuda a desafogar o sistema prisional e a dar uma segunda chance a quem cometeu delitos menos graves. Já críticos temem que a redução de penas possa incentivar a impunidade.
Por que a base do governo não obstruiu o PL?
Mesmo com alguns parlamentares do PT e de partidos aliados votando contra, a base governista decidiu não criar obstáculos. Dois motivos principais surgiram nos bastidores:
- Avançar a agenda econômica já aprovada na Câmara. O governo tem um pacote de reformas que precisa ser encaminhado ao plenário. Bloquear a dosimetria poderia atrasar todo o cronograma.
- Dar a Lula a chance de vetar em 2026. O presidente tem a prerrogativa de veto e, ao permitir que o PL siga, ele cria um ponto de discórdia que pode ser usado como arma política nas eleições de 2026, ano eleitoral.
O pano de fundo eleitoral: Lula vs. Flávio Bolsonaro
A perspectiva de um embate direto entre Luiz Inácio Lula da Silva e Flávio Bolsonaro (PL‑RJ) nas urnas tem mexido com a estratégia dos governistas. Flávio, filho do ex‑presidente Jair Bolsonaro, foi condenado pelo STF por tentativa de golpe de Estado, mas ainda tem forte apoio em parte do eleitorado. Para o governo, reviver a polarização Lula‑Bolsonaro pode ser útil: cria um contraste claro e coloca o presidente como defensor da democracia, algo que costuma ressoar bem com eleitores indecisos.
Como o veto pode mudar o jogo?
Mesmo que o veto de Lula seja derrubado no Congresso, o ato de vetar tem um efeito simbólico. Ele serve para:
- Separar a imagem do presidente da classe política tradicional, especialmente do Centrão (grupo de partidos que costuma negociar acordos de bastidores).
- Mostrar que Lula está disposto a usar seus poderes para proteger princípios democráticos, o que pode atrair eleitores que se sentem cansados de “política de conchinha”.
- Desviar a atenção das críticas sobre a gestão econômica, colocando o foco em questões de justiça e segurança pública.
O que isso significa para você, eleitor?
Se você está acompanhando a campanha, provavelmente já percebeu que a política brasileira tem se tornado cada vez mais um espetáculo de confrontos. Mas, no fundo, são decisões como a da dosimetria que revelam como o governo tenta moldar o cenário para o futuro. Aqui vão alguns pontos práticos:
- Fique atento ao debate sobre penas. Se o PL for aprovado integralmente, pode haver mudanças nas regras de cumprimento de pena que afetarão diretamente comunidades vulneráveis.
- Observe o uso do veto. Um veto, mesmo que simbólico, sinaliza quais temas o presidente considera inegociáveis. Isso pode indicar quais áreas ele vai defender com mais força nas campanhas.
- Entenda a estratégia da polarização. Quando os partidos falam em “reacender a rivalidade Lula‑Bolsonaro”, eles estão tentando criar um cenário de “escolha clara”. Avalie se essa narrativa realmente traz soluções ou apenas alimenta o conflito.
Um olhar histórico: a dosimetria já apareceu antes?
Não é a primeira vez que o Congresso discute reformas penais. Nos últimos anos, tivemos projetos como a Lei de Redução de Penas por Boas‑Condutas e a proposta de penas alternativas. Cada tentativa trouxe debates acalorados, mas poucas avançaram de forma consistente. Isso mostra que a dosimetria não é apenas um “bicho de sete cabeças” jurídico; ela se tornou um termômetro da discussão sobre segurança pública e direitos humanos.
Perspectivas para 2026
Chegando em 2026, o cenário pode mudar bastante. Se Lula conseguir usar o veto como ponto de destaque, ele pode ganhar força entre eleitores que buscam um líder menos “conectado” ao Congresso. Por outro lado, Flávio Bolsonaro pode tentar transformar sua condenação em um símbolo de resistência contra o “establishment”.
O que fica claro é que a base governista está jogando um xadrez de longo prazo: cada movimento hoje tem a intenção de criar uma vantagem amanhã. E, como todo bom jogo, há riscos. Se a população perceber que o governo está manipulando processos legislativos apenas para fins eleitorais, pode haver um desgaste de confiança.
Conclusão: o que devemos levar daqui?
Para mim, a lição principal é que a política não acontece apenas nas grandes manchetes de “veto” ou “reforma”. Ela se desenrola nos detalhes – como a decisão de não bloquear a dosimetria – e nesses detalhes está o futuro do país. Se você quer fazer escolhas informadas nas urnas, vale a pena acompanhar não só o que os candidatos dizem, mas também o que eles fazem nos bastidores.
Então, da próxima vez que ouvir alguém falar sobre “veto de 2026”, lembre‑se da dosimetria, da estratégia de polarização e do jogo de poder que está sendo armado agora. E, claro, continue acompanhando, questionando e, acima de tudo, exercendo seu direito de voto.




