Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um pedido direto aos líderes da França e da Itália: assinem o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. A mensagem foi clara, mas o que isso realmente significa para o nosso agronegócio, para o consumidor e para a política internacional? Eu resolvi destrinchar o assunto, juntando o que foi dito em Brasília, os bastidores em Bruxelas e o impacto nas lavouras do interior do Paraná.
Por que esse acordo está na boca do povo?
O Mercosul – bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – vem negociando com a UE há mais de duas décadas. O objetivo é abrir mercados: produtos agrícolas brasileiros a preços competitivos em troca de acesso a bens de alta tecnologia europeus. Se tudo sair como planejado, o Brasil poderia ganhar dezenas de bilhões em exportações, especialmente de carne bovina, soja, milho e café.
Mas nem tudo são flores. Agricultores franceses, italianos e de outros países europeus temem que a entrada massiva de produtos sul‑americanos “inunde” seus mercados, reduzindo preços e colocando em risco a renda familiar. Essa preocupação acabou se transformando em resistência política, principalmente na França, onde o presidente Emmanuel Macron tem sido apontado como o principal obstáculo.
Lula na Foz do Iguaçu: o que ele realmente pediu?
Durante uma visita a Foz do Iguaçu, ponto de encontro da Unasul com a UE, Lula disse ao vivo que esperava que Macron e a primeira‑ministra italiana, Giorgia Meloni, “assumam a responsabilidade” e assinem o acordo no sábado. Ele explicou que a UE está disposta, mas que os líderes europeus temem perder competitividade no agro.
- “O povo está meio rebelde na França” – Lula brincou, mas o recado era sério: a resistência não é popular, é institucional.
- “O Brasil não compete com os produtos agrícolas da França” – ele destacou que os produtos são de qualidade e de nichos diferentes.
Essas palavras são importantes porque mostram que o presidente brasileiro está tentando mudar a narrativa: não se trata de competição desleal, mas de complementaridade. E, para quem vive do campo, entender essa diferença pode ser a chave para apoiar ou criticar o acordo.
O que mudou no texto das salvaguardas?
Na terça‑feira (16), o Parlamento Europeu aprovou novos mecanismos de salvaguarda. Em termos simples, essas regras permitem que a UE suspenda temporariamente benefícios tarifários caso perceba que o mercado local está sendo prejudicado. O texto aprovado é mais rígido que a proposta original da Comissão Europeia, o que significa que, na prática, a União tem mais ferramentas para proteger os agricultores europeus.
Para o Brasil, isso traz duas implicações:
- Incerteza: as salvaguardas podem ser acionadas a qualquer momento, reduzindo a previsibilidade das exportações.
- Pressão por qualidade: o agro brasileiro precisará provar que seus produtos são sustentáveis e de alta qualidade para evitar gatilhos de proteção.
Quem tem o voto decisivo?
Para que o acordo seja aprovado pelo Conselho Europeu, é preciso maioria qualificada – 15 dos 27 Estados‑membros representando 65% da população. A França, a Polônia e a Hungria já se posicionaram contra, enquanto a Bélgica disse que vai se abster. A Itália, ao lado da França, tem um papel crucial: se mudar de posição, pode abrir caminho para a maioria.
É aqui que a estratégia de Lula ganha contorno. Ele não está apenas pedindo “assinatura”, mas tentando criar um clima de responsabilidade compartilhada, mostrando que o Brasil está disposto a ceder mais do que a Europa. Essa abordagem pode convencer Meloni a pressionar Macron, ou ao menos a abrir espaço para um novo consenso.
Impactos concretos para o agro do Paraná
Foz do Iguaçu fica a poucos quilômetros da fronteira do Paraná, estado que tem a segunda maior produção de soja e milho do país. Se o acordo for assinado, os produtores paranaenses podem esperar:
- Novos mercados: acesso facilitado à UE, que pode comprar soja para ração animal, milho para biocombustíveis e carne bovina premium.
- Pressão por certificações: a UE costuma exigir padrões rígidos de rastreabilidade, redução de desmatamento e bem‑estar animal. Isso pode exigir investimentos em tecnologia.
- Volatilidade de preços: com mais concorrência, os preços internacionais podem oscilar mais, exigindo melhor gestão de risco pelos agricultores.
Na prática, um produtor de soja no interior do Paraná poderia vender sua colheita para um comprador francês que procura grãos com menor pegada de carbono. Mas, ao mesmo tempo, teria que comprovar que a soja não veio de áreas desmatadas recentemente – algo que a UE tem cobrado com mais rigor nos últimos anos.
Próximos passos e o que podemos fazer
As negociações continuam intensas. O Conselho Europeu tem reuniões marcadas para os dias 18 e 19 de junho, e a expectativa é que a assinatura aconteça ainda nesta semana, com a presença de Ursula von der Leyen na cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu.
Para quem acompanha de perto o agronegócio, vale ficar atento a três frentes:
- Monitorar as salvaguardas: acompanhe as decisões do Parlamento Europeu e as possíveis ativações de cláusulas de proteção.
- Investir em certificação: já é hora de buscar selos de sustentabilidade reconhecidos internacionalmente – isso pode ser um diferencial na hora da exportação.
- Planejar a diversificação: não coloque todos os ovos em uma única cesta. Explore mercados alternativos e mantenha uma reserva de caixa para enfrentar possíveis oscilações.
Em resumo, o pedido de Lula a Macron e Meloni pode parecer um gesto diplomático, mas tem consequências muito reais para o campo brasileiro. Se a assinatura acontecer, o Brasil ganha um mercado maior, mas também assume novos padrões de qualidade e responsabilidade ambiental. Se a assinatura for adiada, o agro pode perder oportunidades de crescimento e ficar à mercê de políticas protecionistas europeias.
Conclusão pessoal
Eu, que acompanho o setor há anos, vejo esse momento como um divisor de águas. Não é apenas mais um acordo comercial; é uma prova de que o Brasil está pronto para negociar em pé de igualdade com potências globais. Mas essa igualdade vem acompanhada de exigências – sustentabilidade, transparência e competitividade. Para quem tem uma fazenda no Paraná, a mensagem é clara: o futuro está nos detalhes. Preparem‑se, invistam em boas práticas e, acima de tudo, mantenham o olho aberto nas decisões que acontecem em Bruxelas. Só assim o agro brasileiro conseguirá transformar oportunidades em resultados concretos.
Se você tem dúvidas, sugestões ou quer compartilhar sua experiência com exportação, deixe um comentário. A troca de ideias faz parte desse processo de construção coletiva.




