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Lula e a indecisão da UE: o que está em jogo no acordo Mercosul‑UE?

Lula e a indecisão da UE: o que está em jogo no acordo Mercosul‑UE?

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Na última quarta‑feira eu assisti a uma entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, como sempre, saí dela com a sensação de que o Brasil está em uma encruzilhada. O assunto? O tão falado acordo de livre‑comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Parece que a negociação, que já dura mais de duas décadas, ainda tem um longo caminho pela frente, e a principal razão do atraso está na própria UE. Quero dividir com vocês o que ouvi, colocar em perspectiva o que isso significa para a gente e, quem sabe, ajudar a entender por que essa discussão é tão importante para o nosso dia a dia.

O que aconteceu na última reunião?

Lula, durante uma reunião de ministros na Granja do Torto, em Brasília, reclamou da “indecisão” da UE. Ele explicou que o bloco europeu pediu para mudar a data da cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, que estava marcada para 20 de novembro, para 20 de dezembro, alegando que só conseguiria aprovar o acordo no dia 19. Mas, segundo o presidente, a UE acabou dizendo que não vai conseguir aprovar a tempo.

O que fica claro é que, apesar de o Brasil ter cedido tudo que era possível na diplomacia, ainda há resistência de alguns países europeus – principalmente França e Itália – que não querem fechar o pacto. Lula deixou bem explícito que, se a UE continuar dizendo “não”, o Brasil será “duro” nas próximas negociações.

Por que a UE ainda não decidiu?

O Parlamento Europeu aprovou recentemente mecanismos de salvaguarda para importações agrícolas, um passo importante, mas o texto ficou mais rígido que a proposta original da Comissão Europeia. Agora, os parlamentares precisam negociar com o Conselho Europeu, que reúne os governos dos 27 Estados‑membros. Para que o acordo seja aprovado, é preciso maioria qualificada: ao menos 15 países que representem 65 % da população da UE.

Entre os países que têm se mostrado mais relutantes, destacam‑se:

  • França: os agricultores temem que produtos do Mercosul inundem o mercado interno.
  • Itália: ainda não deu um posicionamento claro, mas segue alinhada com a França.
  • Polônia e Hungria: também expressaram dúvidas, principalmente por questões agrícolas e políticas.

Por outro lado, países como a Bélgica já disseram que vão se abster, e a Áustria e a Irlanda podem se opor, mas ainda não confirmaram. Essa divisão faz com que a aprovação seja um verdadeiro jogo de xadrez, onde cada movimento tem repercussões econômicas e políticas.

O que está em jogo?

Se o acordo for finalmente assinado, ele criará a maior zona de livre‑comércio do mundo, englobando os 27 países da UE e os cinco membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela – embora este último esteja suspenso das negociações). As implicações são enormes:

  1. Exportações agrícolas brasileiras: produtos como carne bovina, soja, milho e açúcar teriam acesso facilitado a mercados europeus, potencialmente aumentando a receita dos produtores.
  2. Importações de bens manufaturados: consumidores brasileiros poderiam comprar carros, máquinas e produtos eletrônicos da UE com tarifas reduzidas, o que pode baixar preços.
  3. Setor industrial: a concorrência europeia pode pressionar indústrias brasileiras a melhorar produtividade e qualidade.
  4. Questões ambientais: críticos apontam que a abertura do mercado pode incentivar o desmatamento na Amazônia para expandir a produção agrícola.

Para a gente, que acompanha o preço da carne no supermercado ou o valor da soja na bolsa, essas mudanças podem ser sentidas de forma direta ou indireta nos próximos anos.

Um olhar histórico

O acordo começou a ser negociado em 1999, logo após a criação do Mercosul. Na época, a ideia era criar um bloco sul‑americano forte o suficiente para conversar em pé de igualdade com a UE. Foram 26 anos de discussões, com várias rodadas, concessões e, claro, muitas frustrações.

Ao longo desse tempo, o cenário mundial mudou: a China emergiu como grande potência exportadora, os acordos de livre‑comércio proliferaram e a preocupação com a sustentabilidade ganhou força. Tudo isso influenciou as posições dos negociadores europeus, que agora exigem mais garantias ambientais e sanitárias.

Próximos passos e o papel da diplomacia

O Conselho Europeu tem duas datas importantes: 18 e 19 de dezembro, quando os ministros dos países membros devem se reunir para decidir. Se houver aprovação, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pode viajar ao Paraná para assinar o tratado na cúpula do Mercosul.

Mas, como Lula deixou claro, se a UE disser “não”, o Brasil pode adotar uma postura mais firme. O que isso significa na prática?

  • Possível renegociação de tarifas agrícolas, buscando proteções mais favoráveis ao produtor brasileiro.
  • Busca de novos parceiros comerciais fora da UE, como acordos bilaterais com países da Ásia ou da África.
  • Intensificação de políticas internas para melhorar a competitividade da indústria nacional.

O que eu, como cidadão, devo observar?

Primeiro, vale ficar de olho nas notícias sobre a votação no Conselho Europeu. Cada mudança nas posições da França, Itália ou Polônia pode alterar o cenário.

Segundo, acompanhe os debates sobre as salvaguardas agrícolas. Se a UE aprovar mecanismos rígidos, isso pode limitar a quantidade de carne e soja brasileira que entra na Europa, afetando exportadores.

Terceiro, observe como o governo brasileiro reage caso o acordo caia. O presidente prometeu ser “duro”, mas o que isso se traduzirá em políticas concretas? Poderemos ver incentivos à agroindústria ou até mesmo novas estratégias de diversificação de mercados.

Conclusão

O acordo Mercosul‑UE ainda está em um ponto de inflexão. A indecisão da UE, alimentada por pressões internas de agricultores e questões políticas, coloca o Brasil em uma posição delicada. Para nós, que vivemos a realidade dos preços nas prateleiras e das oportunidades de trabalho no campo, o resultado desse tratado pode trazer tanto benefícios quanto desafios.

Eu, pessoalmente, espero que a negociação siga em frente, mas com atenção redobrada às questões ambientais e ao impacto nos pequenos produtores. Afinal, um acordo que favoreça apenas grandes conglomerados e prejudique quem realmente planta a comida que chega às mesas não cumpre seu propósito.

Vamos acompanhar juntos, porque o futuro do comércio internacional tem tudo a ver com o que vamos comer, onde vamos trabalhar e como o planeta será preservado.