Se você tem acompanhado as notícias sobre a economia nos últimos meses, provavelmente já ouviu falar dos juros altos que o Banco Central vem mantendo para conter a inflação. Mas, para a maioria das pessoas, a frase “juros altos” ainda soa como algo distante, quase técnico. Na prática, esses juros mexem diretamente no seu dia a dia: no preço do financiamento do carro, no crédito do cartão, até no ritmo com que você faz compras no supermercado.
O que o Ministério da Fazenda acabou de apontar?
Na última quinta‑feira (4), a Secretaria de Política Econômica (SPE) divulgou que a desaceleração do consumo das famílias no terceiro trimestre de 2025 foi um dos principais fatores que puxaram o Produto Interno Bruto (PIB) para trás. O IBGE mostrou que o PIB cresceu apenas 0,1% no período, contra 0,3% nos três meses anteriores. Já o consumo das famílias – que representa quase metade do PIB – caiu de 1,8% para 0,4%.
Em palavras simples: a gente está gastando menos, e isso faz o crescimento do país ficar mais fraco.
Por que os juros altos afetam o consumo?
Quando o Banco Central eleva a taxa Selic, o custo do crédito sobe. Isso tem duas consequências imediatas:
- Financiamentos e empréstimos ficam mais caros. Se você pensa em comprar um carro ou reformar a casa, o financiamento pode ficar com parcelas que pesam mais no orçamento.
- O crédito rotativo do cartão de crédito encarece. Quem costuma pagar só o mínimo da fatura vai ver os juros acumularem rapidamente.
Além disso, o aumento dos juros costuma “esfriar” o mercado de trabalho. Empresas que antes financiavam a expansão com crédito barato passam a adiar contratações ou até a demitir. Menos empregos ou salários mais baixos significa menos dinheiro circulando, o que, por sua vez, reduz ainda mais o consumo.
Um panorama histórico rápido
Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta esse dilema. Nos anos 1990, durante o Plano Real, o país também viveu períodos de juros elevados para estabilizar a moeda. Na época, o consumo das famílias recuou, mas a inflação acabou sendo domada, permitindo um crescimento mais saudável nos anos seguintes.
Mais recentemente, entre 2015 e 2016, a combinação de juros altos e crise política fez o consumo despencar, contribuindo para a recessão que ficou conhecida como a “guerra dos juros”. O que mudou hoje é que a inflação está sob controle, mas o peso dos juros ainda pesa no bolso do consumidor.
O que isso significa para você?
Se a sua renda já está apertada, a desaceleração do consumo pode trazer duas situações:
- Menos pressão para gastar. Quando a gente sente que o dinheiro está curto, tende a cortar gastos supérfluos – aquela viagem, o jantar fora, a compra de eletrônicos de última geração. Essa cautela pode ser saudável se for planejada.
- Risco de endividamento. Por outro lado, se você ainda depende de crédito para pagar contas essenciais (como financiamento de imóvel ou empréstimo estudantil), a alta dos juros pode transformar dívidas em um peso ainda maior.
Então, vale a pena repensar algumas estratégias financeiras:
- Reavalie seus contratos de crédito. Se o seu financiamento tem taxa fixa, veja se há possibilidade de renegociação ou portabilidade para condições mais vantajosas.
- Monte um fundo de emergência. Mesmo que o consumo esteja em baixa, imprevistos acontecem. Ter de três a seis meses de despesas guardadas ajuda a evitar recorrer a empréstimos caros.
- Priorize pagamentos de dívidas com juros altos. Se o cartão de crédito está no rotativo, procure pagar mais do que o mínimo ou transferir a dívida para um empréstimo com taxa menor.
Como a desaceleração pode impactar o futuro da economia
O relatório da SPE ainda traz duas informações importantes:
- O “carry‑over” – aquele efeito de carregamento estatístico que costuma impulsionar o crescimento nos anos seguintes – está sendo reduzido para 2026. Em termos simples, a base de crescimento que esperávamos para os próximos anos ficou menor.
- Mesmo com a desaceleração, a projeção de crescimento para 2025 permanece em 2,2% (segundo a estimativa da própria Fazenda) e 2,16% segundo economistas do mercado financeiro. Ou seja, ainda há expectativa de crescimento, mas em ritmo mais lento.
O que isso quer dizer?
Se a economia cresce, mas a taxa de crescimento é menor, o aumento de salários tende a ser mais contido. Isso pode gerar um círculo vicioso: salários mais baixos → consumo ainda mais fraco → crescimento ainda mais lento. Por isso, o governo e o Banco Central precisam equilibrar duas metas: controlar a inflação sem sufocar o consumo.
O papel do Banco Central e a política monetária restritiva
Os juros altos são, na visão do Banco Central, uma ferramenta para “esfriar” a economia e evitar que a inflação volte a subir. Quando a inflação está alta, o poder de compra das famílias diminui, o que também reduz o consumo. É um paradoxo: para manter o preço dos produtos estáveis, o Banco Central eleva os juros, mas isso pode acabar reduzindo a demanda.
Essa estratégia é chamada de política monetária restritiva. Ela funciona bem quando a inflação está fora de controle, mas pode ser “pesada” quando a economia já está vulnerável. O desafio é encontrar a taxa de juros “ideal” que mantenha a inflação em torno da meta (geralmente 3% ao ano no Brasil) sem frear demais o crescimento.
O que os especialistas dizem
Alguns economistas apontam que, se a taxa Selic permanecer acima de 13% ao ano, o consumo das famílias pode continuar a cair nos próximos trimestres. Outros defendem que, ao menos no curto prazo, a alta dos juros protege a economia de um “espiral inflacionário” que poderia ser ainda mais prejudicial.
Há ainda quem acredite que a solução está em políticas fiscais – como redução de impostos ou aumento de gastos públicos em áreas estratégicas – para compensar a fraqueza do consumo privado. Essa combinação de política monetária (juros) e fiscal (gastos do governo) pode ser a chave para retomar um ritmo de crescimento mais saudável.
O que você pode fazer agora?
Mesmo que você não tenha influência nas decisões de política econômica, pode adotar atitudes que minimizem o impacto dos juros altos no seu orçamento:
- Faça um diagnóstico financeiro. Anote todas as fontes de renda e todas as despesas fixas e variáveis. Saber exatamente onde o dinheiro entra e sai ajuda a identificar onde cortar sem sacrificar necessidades básicas.
- Negocie dívidas. Se você tem empréstimos com taxa variável, procure mudar para taxa fixa ou buscar opções de consolidação com juros menores.
- Planeje compras maiores. Se pretende comprar um carro ou reformar a casa, avalie se vale a pena esperar um período em que a taxa Selic esteja mais baixa. Muitas vezes, adiar a compra pode significar economizar milhares de reais.
- Invista em conhecimento. Cursos gratuitos sobre finanças pessoais, podcasts e blogs podem ajudar a entender melhor como o cenário macroeconômico afeta suas finanças.
Olhar para o futuro
O que esperamos para 2026? Se a tendência de desaceleração continuar, o “hiato” – a distância entre o potencial de crescimento da economia e o que realmente ocorre – pode se ampliar. Isso significa que o país terá menos espaço para crescer sem gerar pressão inflacionária.
Entretanto, há motivos para otimismo moderado:
- O Brasil tem um mercado interno grande e diversificado. Mesmo com consumo mais cauteloso, setores como agronegócio, energia renovável e tecnologia continuam em expansão.
- Reformas estruturais, como a da Previdência e a tributária, ainda podem gerar ganhos de eficiência que favoreçam o crescimento a médio prazo.
- A política de juros pode começar a ser flexibilizada se a inflação permanecer sob controle nos próximos trimestres, o que traria alívio para o crédito.
Em resumo, a mensagem central é: juros altos não são um vilão isolado, mas parte de um conjunto de decisões que visam equilibrar a economia. Para nós, consumidores, isso se traduz em atenção redobrada ao orçamento, busca por melhores condições de crédito e, sobretudo, planejamento.
Conclusão
O relatório da Fazenda deixa claro que a desaceleração do consumo das famílias já está pesando no PIB. Isso não é apenas um número para economistas; é um reflexo direto nas nossas contas, nos nossos planos e na nossa qualidade de vida. Ao entender o porquê dos juros altos e como eles afetam o consumo, conseguimos tomar decisões mais conscientes e proteger nosso futuro financeiro.
Se você ainda não tem um plano de contingência para lidar com juros elevados, este pode ser o momento ideal para começar. Pequenas mudanças – como renegociar dívidas, montar um fundo de emergência e repensar compras de alto valor – podem fazer uma grande diferença quando a economia entrar em um período de crescimento mais lento.
Fique de olho nas próximas decisões do Banco Central, nas projeções do IBGE e, principalmente, nas suas finanças pessoais. Afinal, a economia macro só deixa de ser abstrata quando percebemos seu impacto direto no nosso cotidiano.




