Se você acompanha as notícias econômicas, provavelmente já viu a manchete: a inflação da Argentina subiu 2,5% em novembro, acumulando 31,4% nos últimos 12 meses. Pode parecer apenas mais um número de um país vizinho, mas a realidade por trás desses percentuais mexe com a vida de quem compra um pão, paga aluguel ou pensa em investir no Mercosul.
Por que a inflação está tão alta?
O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) divulgado pelo INDEC mostrou que o aumento de 2,5% em novembro foi maior que a expectativa dos economistas. Esse é o terceiro mês consecutivo de aceleração e a primeira vez que a taxa anual sobe desde abril de 2024. Mas o que realmente impulsiona esse ritmo?
- Retirada de subsídios: Desde que Javier Milei assumiu a presidência, o governo cortou subsídios de água, gás, luz, transporte público e outros serviços essenciais. Sem o apoio estatal, os custos dessas contas foram repassados integralmente ao consumidor.
- Reforma econômica agressiva: Milei paralisou obras federais e suspendeu repasses de recursos para as províncias, gerando um efeito cascata nos preços de materiais de construção e, consequentemente, nos aluguéis.
- Instabilidade política: O escândalo envolvendo a secretária‑geral Karina Milei e a derrota nas eleições de Buenos Aires abalaram a confiança dos investidores, provocando forte desvalorização do peso.
- Pressão cambial: O peso chegou a 1.423 por dólar, uma queda histórica. A desvalorização alimenta a alta de importados, que compõem boa parte da cesta de consumo.
Setores que mais sentiram o peso
Os números mostram que habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis subiram 3,4%, seguidos por transporte (3%). Alimentos e bebidas não alcoólicas tiveram alta de 2,8%, enquanto comunicação – que inclui jornais, DVDs e, curiosamente, ainda supera o streaming – subiu 2,7%.
Esses dados explicam porque, mesmo em tempos de tecnologia, o custo de um jornal impresso ou de um DVD ainda pesa mais no bolso do argentino do que o acesso a plataformas digitais. O motivo? A inflação alta corrói a capacidade de compra de serviços digitais, que muitas vezes dependem de assinaturas em moeda estrangeira.
O que isso significa para o dia a dia?
Para quem mora na Argentina, a realidade é simples: o salário precisa crescer mais rápido que a inflação para manter o poder de compra. Como isso raramente acontece, a população recorre a estratégias como:
- Comprar dólares e guardar “debaixo do colchão”, agora permitido sem declaração de origem.
- Buscar produtos de marcas locais, que costumam ser mais baratos que importados.
- Reduzir o consumo de bens duráveis e focar no essencial.
Essas escolhas, porém, têm um custo social. A pobreza, que já atingia 52,9% no primeiro semestre de 2024, caiu para 31% em 2025 – um alívio, mas ainda longe de níveis aceitáveis.
O papel dos acordos internacionais
Em meio ao caos, o governo argentino recebeu dois pacotes de apoio dos EUA: um swap cambial de US$ 20 bilhões e um incentivo adicional de mesmo valor, totalizando US$ 40 bilhões. Esse dinheiro entra nas reservas e ajuda a segurar o peso, mas não resolve a raiz do problema – o desequilíbrio fiscal.
Além disso, o FMI liberou um empréstimo de US$ 20 bilhões, com a primeira parcela de US$ 12 bilhões já desembolsada. O fundo vê na reforma de Milei um caminho para estabilizar a economia, mas cobra metas rígidas, como manter a inflação abaixo de 2 % ao mês.
Perspectivas: o que esperar nos próximos meses?
O futuro da inflação argentina depende de três fatores principais:
- Estabilidade política: Se Milei conseguir conter os escândalos e consolidar apoio no Congresso, o risco de novas crises cambiais diminui.
- Política monetária: O Banco Central tem que equilibrar a redução da emissão de moeda com a necessidade de liquidez para a economia.
- Confiança dos investidores: A continuidade dos acordos com o FMI e os EUA pode atrair capital estrangeiro, mas somente se houver sinais claros de responsabilidade fiscal.
Para o leitor brasileiro, a situação serve de alerta. Embora a Argentina esteja em um ciclo de hiperinflação, o Brasil também enfrenta pressões inflacionárias. A experiência argentina mostra como cortes bruscos de subsídios e instabilidade política podem acelerar a alta de preços.
O que podemos aprender?
1. Política de subsídios tem limites: Manter tarifas baixas pode ser politicamente popular, mas se não houver sustentabilidade fiscal, o ajuste posterior será ainda mais doloroso.
2. Confiança é moeda forte: Investidores reagem rápido a escândalos e derrotas eleitorais. Uma gestão transparente e estável ajuda a manter a moeda forte.
3. Diversificação de renda: Em ambientes inflacionários, quem tem acesso a moedas fortes (dólar, euro) ou ativos que acompanham a inflação tem mais proteção.
Conclusão
A inflação de 31,4% ao ano na Argentina não é apenas um número; é o reflexo de decisões econômicas radicais, crises políticas e a vulnerabilidade de um país que depende muito de reservas externas. Enquanto o governo de Milei tenta estabilizar a situação com acordos internacionais e reformas estruturais, o povo argentino sente cada aumento de preço no bolso.
Para nós, brasileiros, a história serve como um estudo de caso sobre os riscos de políticas econômicas extremas e a importância de manter um ambiente político estável. Se você tem amigos, familiares ou negócios que lidam com a Argentina, fique de olho nas variações do peso e nas decisões do governo – elas podem impactar desde o preço de um carro importado até a cotação do dólar no seu banco.
Em tempos de alta de preços, a melhor estratégia continua sendo: acompanhar as notícias, entender o que está por trás dos números e buscar formas de proteger seu patrimônio. Afinal, informação é a primeira linha de defesa contra a inflação.




