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Guarda compartilhada supera a guarda materna: o que isso muda para as famílias brasileiras

Guarda compartilhada supera a guarda materna: o que isso muda para as famílias brasileiras

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Quando li a notícia de que, pela primeira vez, a guarda compartilhada ficou à frente da guarda exclusiva da mãe, confesso que fiquei curioso. Não é todo dia que vemos um número que parece tão simples – 45% contra 43% – transformar a forma como pensamos sobre a divisão de responsabilidades após o divórcio. Mas, por trás desses percentuais, há uma série de questões que afetam diretamente quem vive ou vai viver essa situação: pais, mães, filhos e até a sociedade como um todo.

Um pouco de história: de onde vem a guarda compartilhada?

A chamada “Lei da Guarda Compartilhada” foi sancionada em 2014. Antes dela, a prática mais comum – e quase automática – era a guarda unilateral, geralmente concedida à mãe. A ideia da lei era simples: quando os pais têm condições de exercer o poder familiar, a criança deve conviver de forma equilibrada com ambos. Não se tratava só de dividir o tempo, mas de garantir que decisões importantes fossem tomadas em conjunto.

Desde então, o IBGE tem acompanhado a evolução dos registros civis. Os números mostram um crescimento constante da guarda compartilhada: de 42% em 2014 para 45% em 2024. Ao mesmo tempo, a guarda materna caiu de 45% para 43%. Ainda que a diferença pareça pequena, ela representa uma mudança cultural significativa.

Por que a mudança está acontecendo?

Alguns fatores ajudam a entender esse movimento:

  • Conscientização dos pais: Cada vez mais, homens reconhecem a importância de estar presentes na vida dos filhos, não apenas como “provedor”, mas como cuidador ativo.
  • Facilidade de negociação: Advogados e mediadores têm usado a lei como base para acordos mais equilibrados, evitando longas batalhas judiciais.
  • Impacto da pandemia: O home office forçou muitas famílias a conviverem mais, mostrando que a divisão de tarefas domésticas e de cuidado pode ser mais flexível.
  • Políticas públicas: Programas de apoio à família, como creches e auxílio‑babá, facilitam que ambos os pais trabalhem e estejam disponíveis para os filhos.

O que os números do IBGE revelam sobre o cenário atual

Além da guarda, o levantamento traz outros dados interessantes:

  • Em 2024 foram registrados 428.301 divórcios, sendo 82% judiciais.
  • 30% dos divórcios envolvem casais sem filhos – o que pode explicar parte da queda nas taxas de divórcio geral.
  • O tempo médio entre casamento e divórcio diminuiu de 15 para 14 anos, indicando que as separações acontecem um pouco mais cedo.
  • Alguns municípios apresentam índices de divórcio muito superiores ao número de casamentos, como Itaitinga (CE) – 47 divórcios para cada casamento.

Guarda compartilhada na prática: benefícios e desafios

Para quem está passando por um divórcio, entender os prós e contras da guarda compartilhada pode ajudar a tomar decisões mais conscientes.

Benefícios

  • Desenvolvimento emocional equilibrado: Crianças que passam tempo significativo com ambos os pais tendem a ter melhor autoestima e habilidades sociais.
  • Participação ativa dos pais: O pai deixa de ser “figura ausente” e passa a contribuir nas rotinas diárias, como tarefas escolares e consultas médicas.
  • Redução de conflitos: Quando a guarda é compartilhada, as decisões são tomadas em conjunto, o que diminui a sensação de “batalha” entre os genitores.

Desafios

  • Logística: Coordenar horários de trabalho, escola e atividades extracurriculares pode ser complexo, especialmente se os pais moram em cidades diferentes.
  • Comunicação: É preciso manter um canal aberto e respeitoso. Desentendimentos podem se transformar em desgaste emocional para a criança.
  • Diferenças de estilo parental: Cada pai tem sua forma de educar. Alinhar essas diferenças requer paciência e, às vezes, apoio de profissionais.

Como preparar seu filho para a guarda compartilhada

Se você está considerando ou já tem a guarda compartilhada, aqui vão algumas dicas práticas:

  1. Explique de forma simples: Use linguagem adequada à idade da criança. Por exemplo, “Você vai ficar um tempo com a mamãe e depois vai passar a tarde com o papai”.
  2. Crie uma rotina visual: Um calendário na geladeira ajuda a criança a entender quando e onde ela estará.
  3. Envolva a criança nas decisões: Pergunte se ela tem preferência por alguma atividade em determinado dia. Isso dá sensação de controle.
  4. Evite falar mal do outro genitor: Mesmo que a relação esteja tensa, críticas podem gerar ansiedade e culpa na criança.
  5. Busque apoio profissional: Psicólogos infantis ou mediadores familiares podem facilitar a transição.

O futuro da guarda no Brasil

Se a tendência atual continuar, podemos esperar que a guarda compartilhada se torne a norma, não a exceção. Alguns indicadores apontam para isso:

  • O aumento gradual dos acordos extrajudiciais, que costumam priorizar soluções consensuais.
  • Políticas de licença parental mais flexíveis, que permitem que ambos os pais tirem períodos de afastamento do trabalho.
  • Maior presença de homens no mercado de cuidados, impulsionada por mudanças culturais e pela necessidade econômica.

No entanto, ainda há desafios estruturais. Muitas cidades brasileiras ainda carecem de creches de qualidade e de transporte público que facilite a logística familiar. Sem esse suporte, a guarda compartilhada pode se tornar mais um motivo de estresse do que de benefício.

O que isso significa para você?

Se você está pensando em se casar, em se divorciar ou simplesmente quer entender melhor como as leis afetam a vida familiar, a mensagem principal é: a guarda dos filhos está se tornando mais equilibrada, mas requer preparo e comunicação.

Para quem já tem filhos, vale a pena conversar com o parceiro sobre expectativas, dividir tarefas e, se necessário, buscar a mediação de um profissional. Para quem ainda não tem filhos, entender que a responsabilidade parental tende a ser compartilhada pode influenciar decisões sobre carreira, moradia e planejamento financeiro.

Conclusão

Os números do IBGE mostram que a guarda compartilhada já superou a guarda materna exclusiva. Não é apenas uma estatística; é um reflexo de mudanças culturais, legais e sociais que estão acontecendo no Brasil. Se bem implementada, a guarda compartilhada pode trazer mais equilíbrio e bem‑estar para as crianças, ao mesmo tempo em que desafia pais e mães a desenvolverem novas formas de cooperação.

O caminho ainda tem obstáculos, mas a tendência é clara: o futuro da parentalidade no Brasil será mais colaborativo. E, como toda mudança, isso exige diálogo, empatia e, acima de tudo, o foco no bem‑estar da criança.