Por que a Câmara resolveu agir agora?
Na última terça‑feira (9), a Câmara dos Deputados deu o sinal verde a um projeto que promete mudar o jeito como o fisco lida com quem faz da inadimplência um plano de negócios. A proposta, que já tinha passado pelo Senado, segue agora para a sanção do presidente Lula. Não é só mais um detalhe burocrático; é uma resposta direta a casos de sonegação que tiram bilhões da arrecadação e criam concorrência desleal.
Devedor contumaz: quem são e como são definidos?
O termo ainda pode parecer meio abstrato, mas a definição é bem clara no texto que está avançando no Congresso. São considerados devedores contumazes os contribuintes que usam a falta de pagamento de tributos como estratégia recorrente e injustificada. Para que a lei se aplique, o contribuinte precisa ter, no âmbito federal, dívida superior a R$ 15 milhões – e, além disso, essa dívida deve representar mais de 100 % do patrimônio conhecido da pessoa ou empresa. Nos estados e municípios a regra muda um pouco, mas a ideia central – impedir que quem se esconde atrás de dívidas gigantes continue operando sem consequências – permanece.
O que motivou a urgência?
Além de ser um assunto de interesse do governo federal, o projeto ganhou força depois da operação que atingiu o Grupo Refit, apontado como o maior devedor de impostos de São Paulo. O esquema de sonegação, segundo a Receita Federal, teria causado um prejuízo de cerca de R$ 26 bilhões. Essa cifra impressionante mostrou que a prática de abrir e fechar empresas para lavar dinheiro e fugir da tributação não é só um detalhe de contabilidade; é um crime organizado que afeta a economia como um todo.
Quais são as sanções previstas?
- Proibição de usufruir de benefícios fiscais;
- Impedimento de participar de licitações públicas;
- Bloqueio de pedidos ou continuidade de processos de recuperação judicial;
- Possibilidade de tornar a inscrição da empresa no CNPJ inapta;
- Abertura de processos de cobrança tributária no âmbito federal.
Essas medidas foram pensadas para cortar a vantagem competitiva que os devedores contumazes têm sobre quem paga em dia. Se antes eles podiam competir oferecendo preços mais baixos porque não tinham que arcar com impostos, agora a lei fecha essa brecha.
E os bons pagadores? Há um lado positivo também.
O projeto não se limita a punir. Ele também cria incentivos para quem mantém as contas em dia. Entre os benefícios para bons pagadores estão:
- Acesso a canais de atendimento simplificados para regularizar tributos;
- Flexibilização de regras ou substituição de garantias em processos de execução fiscal;
- Execução de garantias só depois do trânsito em julgado, evitando bloqueios prematuros.
Essas facilidades podem reduzir a burocracia e tornar o relacionamento com o fisco menos doloroso, o que, no fim das contas, ajuda a melhorar o clima de negócios.
O que isso significa para você, empreendedor ou profissional liberal?
Se você tem uma empresa de porte médio ou grande, vale a pena fazer um diagnóstico rápido do seu passivo tributário. Pergunte a si mesmo:
- Minha dívida fiscal ultrapassa R$ 15 milhões?
- Ela representa mais do que todo o meu patrimônio conhecido?
- Estou usando a inadimplência como estratégia de preço?
Se a resposta for “sim” a alguma dessas perguntas, é hora de repensar a estratégia. A nova lei pode transformar essa situação em um obstáculo legal que impede a empresa de participar de licitações ou até de manter o CNPJ ativo. Por outro lado, se a sua empresa está em dia, aproveite os benefícios que o texto traz: simplificação de processos e menos risco de bloqueios inesperados.
Como as empresas podem se preparar?
Algumas ações práticas ajudam a estar em conformidade e ainda a tirar proveito dos incentivos:
- Revisão de dívidas: faça um levantamento detalhado de todos os tributos federais, estaduais e municipais em aberto. Se houver valores próximos ao limite, negocie parcelamentos ou busque acordos de refinanciamento.
- Transparência patrimonial: mantenha um registro atualizado dos bens e direitos da empresa. Isso evita que a Receita Federal estime um patrimônio inferior ao real, o que poderia inflar a proporção dívida/patrimônio.
- Consultoria especializada: um contador ou advogado tributarista pode identificar oportunidades de regularização que reduzam o risco de ser classificado como contumaz.
- Planejamento de novos negócios: ao abrir uma nova empresa, pense em estruturas que não facilitem a prática de fechar e reabrir para fugir de impostos. A lei está de olho nesses movimentos.
Impactos no mercado e na concorrência
Ao tornar mais difícil a prática de sonegação sistemática, o governo espera nivelar o campo de jogo. Empresas que antes competiam com preços artificialmente baixos, graças à evasão, agora terão que alinhar seus custos reais. Isso pode gerar um pequeno ajuste nos preços ao consumidor, mas também pode incentivar investimentos em qualidade e inovação, já que a margem de lucro não dependerá mais de “gastar menos com o Estado”.
O que dizem os especialistas?
O relator da Câmara, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL‑SP), afirmou que a medida é “necessária para atacar a concorrência desleal”. Já o relator no Senado, senador Efraim Filho (União‑PB), destacou que a Receita Federal identificou cerca de 1,2 mil CNPJs com dívidas que se enquadram nos parâmetros da lei, totalizando R$ 200 bilhões em débitos nos últimos dez anos. São números que mostram o potencial de arrecadação que estava sendo perdido.
Qual o próximo passo?
Agora cabe ao presidente Lula sancionar o texto. Caso a sanção ocorra, as regras deverão entrar em vigor nos próximos meses, com prazos de adaptação para as empresas. Enquanto isso, vale ficar de olho nas comunicações da Receita Federal e nos possíveis decretos que detalhem procedimentos operacionais.
Conclusão
O combate ao devedor contumaz é mais do que uma medida punitiva; é uma tentativa de restaurar a justiça fiscal e melhorar o ambiente de negócios no Brasil. Se você está em dia com o fisco, pode se beneficiar das facilidades previstas. Se ainda tem pendências, o momento é de agir antes que a lei torne a situação ainda mais complicada. Em última análise, a mudança busca garantir que quem paga seus impostos não seja prejudicado por concorrentes que vivem à sombra da ilegalidade.
Fique atento, converse com seu contador e avalie se sua empresa está pronta para as novas regras. O futuro da tributação pode ser mais justo – e isso, no fundo, beneficia a todos nós.




