Na última terça‑feira (9), a Câmara dos Deputados deu mais um passo importante na luta contra a sonegação de impostos: aprovou o projeto que cria a figura do “devedor contumaz” e encaminhou o texto para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se você ainda não ouviu falar desse termo, ou acha que ele se aplica só a grandes grupos como o Refit, este artigo é para você. Vou explicar, de forma simples e direta, como funciona a nova regra, quem pode ser atingido, quais são as penalidades previstas e, principalmente, o que isso pode significar para empresas de todos os portes.
De onde vem a ideia do devedor contumaz?
A proposta surgiu a partir de uma demanda do governo federal, mas contou com apoio da oposição e de associações empresariais. O objetivo, segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad, é fechar brechas usadas por criminosos que abrem e fecham empresas apenas para lavar dinheiro e fugir da tributação. A medida também faz parte da estratégia maior de combater o crime organizado, que tem causado prejuízos bilionários ao país – o caso mais emblemático foi o do Grupo Refit, apontado como o maior devedor de impostos de São Paulo, com um rombo estimado em R$ 26 bilhões.
O que exatamente define um devedor contumaz?
O texto aprovado pela Câmara segue à risca o que já foi votado no Senado. Não houve alterações do relator da Câmara, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL‑SP). A definição está bem clara:
- Contribuinte que utiliza a inadimplência reiterada e injustificada como estratégia de negócio.
- Para o âmbito federal, a dívida tributária deve ser superior a R$ 15 milhões e representar mais de 100 % do patrimônio conhecido do contribuinte.
- Nos estados e municípios, os critérios são diferentes, mas a lógica permanece a mesma: uso sistemático da falta de pagamento para obter vantagem competitiva.
Em números, a Receita Federal já aponta cerca de 1,2 mil CNPJs enquadrados nessa situação, acumulando mais de R$ 200 bilhões em dívidas nos últimos dez anos.
Quais são as sanções previstas?
Se a sua empresa entrar na lista de devedores contumazes, prepare‑se para enfrentar restrições sérias:
- Proibição de usufruir de benefícios fiscais – nada de incentivos, isenções ou regimes especiais.
- Impedimento de participar de licitações públicas – o governo deixa de comprar de quem não paga.
- Bloqueio de pedidos de recuperação judicial – se a empresa quiser se reorganizar, a justiça pode negar o pedido.
- Inaptação do CNPJ no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – a empresa perde o registro ativo.
- Abertura de processo de cobrança no âmbito federal, com possibilidade de penhora de bens e bloqueio de contas.
Essas medidas têm o objetivo de tornar a inadimplência uma estratégia inviável, desestimulando a prática de abrir empresas “fantasma” apenas para fugir dos tributos.
E os bons pagadores? Há algum incentivo?
O texto também pensa nos contribuintes que mantêm a regularidade. Entre os benefícios para bons pagadores, estão:
- Canal de atendimento simplificado para orientação e regularização.
- Flexibilização de regras ou substituição de garantias em processos de execução fiscal.
- Execução de garantias somente após o trânsito em julgado da decisão.
Em resumo, quem paga em dia ganha mais agilidade e menos burocracia ao lidar com a Receita Federal.
Como isso afeta o pequeno e médio empresário?
Quando a gente pensa em “devedor contumaz”, a imagem que surge costuma ser a de grandes conglomerados, mas a lei não faz distinção de porte. O critério de R$ 15 milhões pode parecer alto, porém, para empresas que operam em setores de alta margem – como combustíveis, mineração ou tecnologia – esse número pode ser atingido rapidamente, especialmente se houver movimentação de ativos que não são declarados.
Além disso, a regra estadual e municipal pode ter limites menores, o que abre a possibilidade de pequenas empresas serem enquadradas caso acumulem dívidas significativas em relação ao seu patrimônio local. Por isso, vale a pena revisar periodicamente o passivo tributário e garantir que todas as obrigações estejam em dia.
Passo a passo para se proteger
Se você quer evitar surpresas e garantir que sua empresa não caia na lista de devedores contumazes, siga estas dicas práticas:
- Faça um diagnóstico tributário completo: contrate um contador ou consultor especializado para mapear todas as dívidas federais, estaduais e municipais.
- Regularize pendências: negocie parcelamentos ou acordos de pagamento com a Receita Federal. Lembre‑se que o parcelamento pode ser renegociado se houver mudança de situação financeira.
- Monitore o patrimônio: mantenha um registro atualizado de bens, imóveis, veículos e investimentos. Isso facilita a comprovação de que a dívida não supera 100 % do patrimônio.
- Evite abrir e fechar empresas sem necessidade: cada nova pessoa jurídica gera obrigações fiscais. Se a estratégia for “empresa fantasma”, reavalie o plano.
- Use os canais de bons pagadores: caso já esteja em dia, solicite acesso ao atendimento simplificado para antecipar dúvidas e evitar erros.
O que dizem os especialistas?
Para entender melhor o impacto, conversei com alguns profissionais da área tributária. O advogado tributário Carlos Alberto Lima (São Paulo) destacou que a medida traz “um sinal forte de que o Estado não vai mais tolerar a prática de usar a inadimplência como ferramenta de concorrência”. Já a consultora fiscal Mariana Rocha, de Rio de Janeiro, alertou que “as empresas de médio porte devem ficar atentas ao critério de patrimônio, porque a avaliação pode mudar rapidamente com a variação de ativos”.
Ambos concordam que a regra pode gerar um efeito positivo no ambiente de negócios, ao nivelar o campo de jogo e reduzir a concorrência desleal. No entanto, ressaltam a importância de uma implementação cuidadosa, para que empresas honestas não sejam penalizadas por erros de cálculo ou falta de informação.
Qual o futuro dessa legislação?
Com a sanção presidencial, a lei deve entrar em vigor nos próximos meses. A expectativa é que a Receita Federal crie um cadastro específico de devedores contumazes, integrado aos sistemas de licitações e de crédito bancário. Isso significa que, além de ficar impedido de participar de concorrências públicas, o empresário pode enfrentar restrições em linhas de crédito, seguros e até em contratos com fornecedores que exigem certidões negativas.
Em paralelo, o governo prometeu desenvolver um programa de “bom pagador” que pode incluir descontos em multas e juros para quem regularizar a situação dentro de prazos estabelecidos. Essa estratégia de “punição + incentivo” costuma ser eficaz para mudar comportamentos.
Resumo rápido – o que você precisa lembrar
- Devedor contumaz = inadimplência deliberada e recorrente como estratégia de negócio.
- Critério federal: dívida > R$ 15 milhões e > 100 % do patrimônio.
- Sanções: perda de benefícios fiscais, proibição de licitar, bloqueio de recuperação judicial, inaptidão do CNPJ.
- Benefícios para bons pagadores: atendimento simplificado, flexibilização de garantias, execução fiscal pós‑sentença.
- Passos para se proteger: diagnóstico tributário, regularização, monitoramento de patrimônio, evitar empresas “fantasma”.
Em última análise, a medida traz um alerta importante: o fisco está cada vez mais atento e preparado para punir quem tenta driblar a lei. Para quem cumpre suas obrigações, a notícia pode representar menos concorrência desleal e mais oportunidades de negócios em um mercado mais justo. Se ainda não revisou a situação tributária da sua empresa, talvez seja a hora de colocar isso na agenda.
E você, já sabia que existia a figura do devedor contumaz? Como acha que essa mudança vai impactar o seu setor? Deixe seu comentário ou compartilhe suas dúvidas – vamos conversar!




