O calendário da Seleção e a primeira dúvida
Quando o sorteio dos grupos da Copa do Mundo saiu, já deu o tom: os três primeiros jogos do Brasil serão à noite. A estreia, contra o Marrocos, será no sábado, 13 de junho, às 19h (horário de Brasília). Depois, temos Haiti, 19 de junho, às 22h, e Escócia, 24 de junho, às 19h. Todos esses confrontos caem em dias úteis.
Para quem trabalha de segunda a sexta, a questão surge imediatamente: “Vou precisar faltar? A empresa vai liberar?” A resposta não é tão simples, porque a legislação trabalhista brasileira não prevê feriado ou folga automática para partidas da seleção.
O que a lei realmente diz?
De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dia de jogo da seleção não é feriado nacional. Não existe nenhuma norma que obrigue o empregador a conceder folga ou horário reduzido. Portanto, por lei, o expediente continua normalmente, independentemente do horário ou da fase da competição.
Isso não quer dizer que a empresa não possa liberar a equipe. A decisão cabe ao empregador, que pode adotar políticas internas, acordos coletivos ou simplesmente negociar caso a caso.
Como as empresas costumam agir?
Na prática, muitas companhias aproveitam a euforia da Copa para melhorar o clima organizacional. Exemplos recentes:
- GetNinjas (São Paulo) – decorou o escritório, permitiu que os funcionários assistissem aos jogos em casa ou no próprio ambiente de trabalho.
- Startups de tecnologia – costumam suspender o expediente por algumas horas, retomando após o apito final.
- Empresas tradicionais – mantêm o horário normal e tratam a partida como qualquer outra atividade externa.
Quando a empresa libera o trabalhador sem desconto, a folga é considerada remunerada. Não é preciso acordo coletivo, mas a regra deve ficar clara para evitar mal-entendidos.
Compensação de horário: o que é permitido?
Se a empresa opta por liberar o colaborador apenas parcialmente (por exemplo, 2 horas antes do jogo), a compensação deve obedecer a alguns limites:
- Não pode ultrapassar duas horas extras por dia.
- O acordo pode ser verbal, escrito ou coletivo, desde que seja documentado.
- A compensação pode ser feita em até um ano, respeitando a jornada máxima diária e semanal.
Essas regras foram explicadas pelo advogado Marcel Zangiácomo, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella. Ele reforça que a falta de clareza gera surpresas desagradáveis para o trabalhador.
Quando a falta pode gerar desconto?
Se o funcionário simplesmente não comparece ao trabalho para assistir ao jogo, sem prévia negociação, a ausência é considerada injustificada. As consequências podem ser:
- Desconto das horas não trabalhadas.
- Perda do descanso semanal remunerado (DSR) proporcional.
- Advertência ou suspensão em caso de reincidência.
Entretanto, a falta de comparecimento, por si só, não configura justa causa. O empregador pode aplicar medidas disciplinares, mas não pode demitir o trabalhador por esse motivo isolado.
Setores essenciais e escalas de trabalho
Para quem trabalha em regime de escala ou em áreas como saúde, segurança, transporte e atendimento ao público, a situação é ainda mais delicada. Nesses setores, a operação não pode ser interrompida por causa da Copa.
O que costuma acontecer:
- Negociação individual entre supervisor e colaborador.
- Possibilidade de troca de turno ou banco de horas.
- Documentação cuidadosa para evitar reclamações de ambos os lados.
Assistir ao jogo dentro do ambiente de trabalho sem autorização pode ser interpretado como indisciplina, resultando em advertência ou suspensão.
Qual a melhor estratégia?
O consenso entre os especialistas é que o diálogo é a ferramenta mais eficaz. Se a empresa tem política de liberação, isso deve estar escrito no regulamento interno ou em acordo coletivo. Se não houver política, o trabalhador deve solicitar a liberação com antecedência, apresentando argumentos de boa-fé.
Algumas dicas práticas:
- Verifique se há alguma norma interna sobre a Copa – muitas empresas atualizam o manual de conduta a cada edição.
- Se não houver, converse com seu gestor o quanto antes, propondo compensação de horário ou banco de horas.
- Registre a conversa por e‑mail ou mensagem para ter prova documental.
- Se a empresa negar a liberação, avalie se vale a pena usar férias ou licença não remunerada.
E se a empresa recusar?
Recusar a liberação não é ilegal, desde que a empresa cumpra a jornada legal e não imponha horas extras abusivas. O trabalhador pode então:
- Utilizar o saldo de férias (se houver).
- Solicitar licença não remunerada, que não gera desconto no salário, mas pode afetar benefícios.
- Negociar o uso de banco de horas já acumulado.
Em último caso, se houver tratamento discriminatório (por exemplo, recusar liberação apenas a torcedores), o trabalhador pode buscar orientação do sindicato ou da Superintendência Regional do Trabalho.
O que esperar para a próxima fase?
Se o Brasil avançar, o calendário pode repetir a situação: mais jogos em dias úteis, possivelmente em horários ainda mais tardios. Isso pode gerar um aumento nas solicitações de liberação. Empresas que já adotaram políticas flexíveis tendem a manter a prática, enquanto outras podem rever suas diretrizes.
Para quem ainda não tem clareza, a recomendação é ficar atento ao comunicado interno, planejar com antecedência e, acima de tudo, manter o diálogo aberto com a liderança.
Resumo rápido
- Dia de jogo da seleção NÃO é feriado legal.
- Liberação depende da decisão da empresa.
- Folga remunerada é possível, mas deve ser formalizada.
- Compensação de horário tem limite de 2h extras por dia e pode ser feita em até 1 ano.
- Falta injustificada gera desconto e pode gerar advertência.
- Setores essenciais exigem acordos individuais e planejamento prévio.
- Diálogo e documentação são essenciais para evitar conflitos.
Então, enquanto a Copa aquece o país, o melhor caminho para curtir a partida sem dor de cabeça é conversar, registrar e alinhar expectativas com a empresa. Boa partida e, quem sabe, um título para o Brasil!




