Introdução: aquele papo de café sobre a Copa
Eu estava tomando um café com um amigo na última sexta‑feira, quando o assunto acabou caindo na mesma coisa que sempre cai nas rodas de amigos: “Vai rolar aquela pausa nas empresas para a Copa do Mundo?”. Ele, que trabalha em uma startup de tecnologia, já tinha ouvido falar de empresas que deixam a equipe assistir ao jogo no escritório, enquanto outro colega, que é enfermeiro, me contou que no hospital não tem essa flexibilidade. Essa divergência me fez perceber que, apesar da paixão nacional pelo futebol, a questão da liberação ou não dos funcionários ainda é um território meio nebuloso.
Calendário da Copa 2026: três jogos à noite
O sorteio dos grupos da Copa do Mundo 2026 trouxe o primeiro sinal de que, nos próximos meses, o Brasil terá que lidar com partidas que acontecem à noite, horário de Brasília. Os três primeiros jogos da seleção são:
- 13 de junho (19h) – Brasil x Marrocos, em Nova Iorque
- 19 de junho (22h) – Brasil x Haiti, em Filadélfia
- 24 de junho (19h) – Escócia x Brasil, em Miami
Se a nossa equipe avançar – o que todo torcedor espera – a tendência é que os jogos nas fases seguintes também caiam em dias úteis e, em grande parte, em horário noturno. Isso significa que, ao contrário de edições anteriores, a maioria dos jogos será fora do horário comercial, dificultando ainda mais a conciliação entre a paixão pelo futebol e a rotina de trabalho.
O que a legislação diz? Não é feriado, mas pode ser flexível
O ponto de partida, segundo a Constituição e a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), é simples: dia de jogo da seleção não é feriado nacional. Não há nenhuma lei que obrigue o empregador a conceder folga ou redução de jornada em função de um evento esportivo. Em termos práticos, isso quer dizer que o expediente continua normalmente, independentemente de ser um clássico ou a final da Copa.
Mas a realidade do dia a dia costuma ser diferente da letra fria da lei. Muitas empresas, sobretudo as que têm um clima mais descontraído, optam por liberar os funcionários ou, ao menos, reduzir a carga horária naquele horário. Essa prática, embora comum, não tem amparo legal específico; ela depende de decisão unilateral do empregador ou de acordos coletivos, quando existentes.
Exemplos reais: como as empresas têm lidado com a Copa
Algumas organizações já anunciaram antecipadamente o que farão nos dias de partida:
- GetNinjas (São Paulo): decorou o escritório com bandeirinhas, vai permitir que a equipe assista ao jogo em casa ou no próprio ambiente de trabalho e não descontará as horas.
- Startups de tecnologia: costumam adotar a chamada “flexibilidade de horário”, permitindo que o colaborador ajuste o início ou o fim da jornada para compensar o tempo assistindo ao jogo.
- Empresas de varejo: mantêm o funcionamento normal, pois a operação depende de fluxo de clientes e não podem interromper as atividades.
- Setores essenciais (saúde, segurança, transporte): raramente concedem folga; o que pode acontecer é uma pausa curta, desde que não comprometa o serviço.
Essas decisões, quando comunicadas de forma clara, evitam surpresas e ajudam a manter o clima organizacional saudável.
Compensação de horário: o que é permitido?
Quando a empresa opta por liberar os funcionários, há duas formas principais de compensar o tempo:
- Compensação dentro do mesmo mês: o colaborador trabalha algumas horas a mais nos dias seguintes para “recuperar” o tempo perdido.
- Banco de horas: as horas são acumuladas e podem ser usadas em férias, folgas futuras ou até mesmo para reduzir a jornada em outro período.
O advogado Marcel Zangiácomo, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella, ressalta que a compensação não pode ultrapassar duas horas extras por dia, respeitando o limite legal de jornada. Além disso, o acordo deve ser documentado – seja verbalmente, por escrito ou por meio de convenção coletiva – e pode ter validade de até um ano, desde que seja cumprido corretamente.
É importante destacar que, se a empresa não conceder a folga e o trabalhador faltar sem justificativa, a ausência será tratada como falta comum, sujeita a descontos de salário e possível perda do descanso semanal remunerado. Advertências ou suspensões podem ser aplicadas em caso de reincidência, mas a falta isolada, sem comunicação prévia, não caracteriza justa causa.
Setores essenciais e regimes de escala
Para quem trabalha em hospitais, linhas de ônibus, polícia ou outros serviços que não podem parar, a situação é ainda mais delicada. Nesses ambientes, a empresa tem o dever de garantir a continuidade do serviço, o que limita a possibilidade de liberação total.
Algumas estratégias adotadas nesses casos incluem:
- Escalas de revezamento que permitam que quem tem turno noturno assista ao jogo em casa.
- Acordos individuais que definam uma pausa curta (por exemplo, 30 minutos) para quem quiser assistir ao início da partida.
- Compensação de horas em dias de menor demanda, sempre respeitando o limite de duas horas extras diárias.
O ponto crucial, segundo os especialistas, é a comunicação antecipada. Se o trabalhador souber com antecedência que o jogo será em horário de expediente, pode conversar com o supervisor e buscar um ajuste que não prejudique o serviço.
Dicas práticas para quem vai trabalhar durante a Copa
Se você está se perguntando como se organizar, aqui vão algumas sugestões que podem ajudar a evitar dor de cabeça:
- Confira a política interna: muitas empresas já têm um documento interno ou um comunicado sobre a Copa. Leia com atenção.
- Planeje a conversa com o chefe: explique que gostaria de assistir ao jogo e proponha como compensar as horas (ex.: entrar mais cedo, sair mais tarde, usar banco de horas).
- Use o banco de horas se a empresa oferece essa ferramenta – é a forma mais simples de “trocar” tempo.
- Documente tudo: e‑mail, mensagem ou termo assinado. Assim, ambas as partes têm prova do acordo.
- Se o seu setor não permite pausa, avalie a possibilidade de assistir ao jogo em outro horário (gravações, replay) ou em momentos de intervalo (meio‑tempo).
- Não deixe de cumprir o horário se a empresa determinou que não haverá pausa. Faltar sem aviso pode gerar descontos e até advertência.
Essas atitudes demonstram profissionalismo e aumentam as chances de a empresa ser flexível nas próximas partidas.
O futuro: será que a lei vai mudar?
Até o momento, não há projetos de lei em tramitação que criem um feriado nacional ou obrigue a liberação de funcionários em dias de Copa. Contudo, a pressão popular pode gerar discussões no Congresso, principalmente quando o evento gera grande movimentação econômica – bares, restaurantes, comércio de camisetas e, claro, o próprio setor de transmissão.
Algumas propostas que já surgiram em debates informais incluem:
- Criação de um “dia de folga opcional” para jogos decisivos (quartas‑de‑final, semifinal, final).
- Incentivo fiscal para empresas que adotarem políticas de flexibilidade durante eventos esportivos.
- Regulamentação de banco de horas específico para grandes eventos nacionais.
Mesmo que nada seja aprovado, a prática de negociação direta tende a se consolidar. Afinal, o custo de perder um funcionário motivado por não poder assistir ao jogo pode ser maior do que o custo de conceder uma hora ou duas de pausa.
Conclusão: equilíbrio entre paixão e responsabilidade
Em resumo, a lei não obriga a empresa a liberar os funcionários nos dias de jogo da seleção, mas a cultura de flexibilidade tem crescido, principalmente em setores que conseguem reorganizar a produção. O segredo está na comunicação clara, no acordo por escrito e no respeito aos limites de jornada.
Para quem ama futebol, a dica é: planeje, converse e, se possível, aproveite as oportunidades de banco de horas ou compensação. Para os empregadores, a recomendação é definir uma política transparente antes do primeiro apito, evitando surpresas e mantendo o clima de equipe saudável.
E, no fim das contas, seja assistindo ao jogo no escritório, em casa ou no bar com os amigos, o importante é curtir a Copa sem deixar que a ansiedade se transforme em problema de ponto. Boa partida e boa sorte na negociação!




