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Como as casas de apostas transformaram o patrocínio das camisas do Brasileirão em um negócio de mais de R$ 1 bilhão

Como as casas de apostas transformaram o patrocínio das camisas do Brasileirão em um negócio de mais de R$ 1 bilhão

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Na última semana eu li um estudo da Jambo Sport Business que me deixou bastante intrigado: as apostas online estão pagando mais de um bilhão de reais para ter o direito de colocar seu logo na frente do peito dos jogadores da Série A. Parece exagero, mas os números falam por si. Em apenas dois anos o valor total dos patrocínios máster subiu 125%, passando de R$ 496 milhões em 2023 para R$ 1,117 bilhão em 2025.

Por que isso importa para a gente?

Talvez você pense que esse assunto só interessa quem trabalha com marketing ou acompanha de perto a política dos clubes. Mas, na prática, o dinheiro que entra nos uniformes tem reflexos diretos no bolso dos torcedores, nos preços dos ingressos, nas contratações de jogadores e até na forma como a gente consome mídia esportiva. Quando um clube recebe quase R$ 300 milhões de uma bet, ele pode investir mais em contratações, melhorar a estrutura do centro de treinamento ou reduzir a dívida. Tudo isso altera a competitividade da competição e, consequentemente, a emoção que vivemos nas partidas.

Um panorama rápido: quem são os protagonistas?

O Flamengo lidera a lista, com um contrato que deve chegar a R$ 268 milhões em 2025 – o maior já registrado no futebol brasileiro. O clube, que tem a maior torcida do país, já viu seu patrocínio máster saltar de R$ 85 milhões em 2023 para R$ 110 milhões em 2024, e agora para quase três vezes esse valor.

Quase todos os outros clubes da Série A também fecharam acordos semelhantes. Das 20 equipes, apenas duas não têm bets como patrocinadoras máster: o Red Bull Bragantino (que já tem a marca Red Bull como proprietária) e o Mirassol, que ainda exibe a Poty. Mesmo assim, o Mirassol conta com uma bet em outra parte da camisa, mostrando como o setor está quase onipresente.

Como chegamos aqui? A história dos patrocínios no futebol brasileiro

Para entender o fenômeno atual, vale revisitar o passado. Nos anos 1990, a Coca‑Cola dominava o espaço publicitário nas camisas, patrocinando 70% dos clubes da elite. Na década seguinte, o setor bancário assumiu a vez: a Caixa Econômica Federal chegou a patrocinar 14 dos 20 clubes da Série A em 2017. Já a Petrobras esteve presente nas camisas do Flamengo por mais de duas décadas.

Esses ciclos refletiam o clima econômico e político da época. Quando o governo queria reforçar a imagem de uma estatal, a publicidade nos uniformes era uma ferramenta poderosa. Hoje, o cenário mudou porque as casas de apostas têm uma estrutura de custos muito diferente das indústrias tradicionais.

Por que as bets têm tanto dinheiro para investir?

  • Baixo custo operacional: ao contrário de fábricas, empresas de apostas não precisam de linhas de produção, estoque ou logística complexa. A maior parte do gasto vai para tecnologia, compliance e, claro, marketing.
  • Margens elevadas: o lucro das apostas esportivas costuma ser alto, principalmente em mercados onde a regulação ainda é recente e a concorrência ainda está se formando.
  • Retorno rápido e mensurável: cada clique em um anúncio pode ser convertido em uma aposta em poucos segundos, permitindo medir o ROI quase que em tempo real.

Esses fatores dão às bets a capacidade de “queimar” dinheiro em publicidade de forma muito mais agressiva que, por exemplo, uma empresa farmacêutica, que tem que investir pesado em pesquisa e desenvolvimento.

A lógica da presença constante

Idel Halfen, especialista em marketing esportivo, explica que o objetivo das casas de apostas é simples: estar na mente do consumidor sempre que ele pensa em futebol. Imagine que você está assistindo a um clássico e, a cada lance, o logo da sua bet aparece no peito do jogador. Essa exposição constante cria familiaridade e, quando chega o momento de escolher onde apostar, a decisão tende a favorecer a marca que você viu mais vezes.

É a mesma lógica da publicidade tradicional – mas com uma dose extra de “urgência”, já que as apostas podem ser feitas em tempo real, durante a partida.

O preço da exclusividade: quem foi deixado de fora?

Com os valores subindo tão rapidamente, muitas empresas de setores tradicionais começaram a abandonar o patrocínio máster. Indústrias farmacêuticas, alimentícias, bancos e até algumas estatais perceberam que não conseguiam competir com os contratos bilionários das bets.

Para colocar em perspectiva, o contrato do Flamengo com a bet supera o orçamento de marketing anual de muitas empresas brasileiras. Se uma empresa gasta, em média, R$ 250 milhões por ano em publicidade, ela teria que destinar quase todo esse valor apenas para o patrocínio de um clube, algo inviável para a maioria.

Impactos nos clubes: o lado bom e o lado ruim

Pró: Mais dinheiro em caixa significa mais liberdade para contratar jogadores, melhorar a estrutura e até reduzir dívidas. Times menores podem se tornar mais competitivos e a liga como um todo ganha em qualidade.

Contra: A dependência excessiva de um único tipo de patrocinador cria vulnerabilidade. Se, por algum motivo, as apostas forem proibidas ou sofrerem restrições severas, os clubes podem perder uma parte significativa da receita.

Além disso, há críticas éticas: ao promover apostas, os clubes acabam incentivando um comportamento que pode levar ao vício, sobretudo entre jovens torcedores.

O futuro: restrições e consolidação

Especialistas apontam dois caminhos possíveis. Primeiro, a possibilidade de restrição ou proibição da publicidade de apostas, similar ao que aconteceu com cigarros e bebidas alcoólicas em outros países. O Senado já aprovou um projeto que impede influenciadores de fazer propaganda, embora ainda permita o patrocínio nas camisas, desde que haja avisos sobre os riscos do vício.

Segundo, a consolidação do mercado de apostas. Quando as empresas alcançarem uma base de usuários estável, elas podem reduzir o investimento agressivo em publicidade, como aconteceu nas telecomunicações. Isso poderia equilibrar os valores dos contratos, evitando picos tão altos como os atuais.

O que podemos esperar nos próximos anos?

  • Possível regulação mais rígida: se o governo decidir seguir o exemplo da Espanha ou da Itália, pode haver um limite ao tamanho dos contratos ou até a proibição total nos uniformes.
  • Novas formas de exposição: caso as regras mudem, as bets podem buscar alternativas, como patrocínios de áreas menos visíveis (mangas, laterais) ou campanhas digitais integradas ao conteúdo dos jogos.
  • Mais competição entre as bets: com o mercado ainda em expansão, novas operadoras podem entrar, aumentando a disputa por espaço nas camisas e, possivelmente, elevando ainda mais os valores.

Como isso afeta você, torcedor?

Em primeiro lugar, o aumento de receita dos clubes pode significar contratações mais caras, jogos mais emocionantes e, quem sabe, títulos internacionais. Em segundo, a presença constante das bets pode influenciar seu comportamento de consumo: você pode acabar vendo mais anúncios de apostas ao assistir a um jogo, o que pode despertar curiosidade ou até criar um hábito de apostar.

Se você tem filhos ou conhece alguém que gosta de futebol, vale a pena ficar atento aos sinais de jogo problemático. Muitos sites de apostas já oferecem ferramentas de auto‑exclusão e limites de depósito, mas a responsabilidade começa com a conscientização.

Dicas práticas para quem quer acompanhar sem cair na armadilha

  1. Defina um orçamento: se decidir apostar, estabeleça um valor mensal que não comprometa suas contas.
  2. Use aplicativos de controle: há várias ferramentas que bloqueiam o acesso a sites de apostas após um tempo determinado.
  3. Foque no entretenimento: lembre‑se de que o principal objetivo do futebol é a diversão. Se o ato de apostar começa a atrapalhar isso, é hora de reconsiderar.
  4. Compartilhe informação: converse com amigos e familiares sobre os riscos. O diálogo aberto pode prevenir problemas maiores.

Conclusão: um mercado em ebulição que ainda tem muito a definir

O salto de R$ 496 milhões para R$ 1,117 bilhão em apenas dois anos mostra que as casas de apostas encontraram no futebol brasileiro um terreno fértil para crescer. Elas têm dinheiro, tecnologia e uma estratégia clara: estar presente onde o público está, ou seja, na camisa dos seus ídolos.

Entretanto, como tudo que cresce rápido, há riscos. A dependência excessiva de um único tipo de patrocinador pode deixar clubes vulneráveis a mudanças regulatórias. Além disso, a exposição massiva de marcas de apostas levanta questões éticas sobre o incentivo ao jogo.

Para nós, torcedores, o melhor caminho é acompanhar de perto essas transformações, aproveitar os benefícios que o investimento traz ao esporte e, ao mesmo tempo, manter um olhar crítico sobre os impactos sociais. Afinal, o futebol é mais que um negócio; é parte da nossa cultura e da nossa vida cotidiana.

E você, o que pensa sobre as bets dominarem as camisas? Acha que o dinheiro extra vale o risco de uma possível proibição futura? Vamos conversar nos comentários!