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Brasil registra menores índices de pobreza em 12 anos: o que isso significa para a gente

Brasil registra menores índices de pobreza em 12 anos: o que isso significa para a gente

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Quando eu li a notícia de que o Brasil chegou aos menores níveis de pobreza e extrema pobreza desde que o IBGE começou a medir, a primeira reação foi de alívio. Mas, como tudo que envolve números sociais, a história por trás desses dados merece ser contada com calma, para que a gente entenda o que realmente mudou e o que ainda precisa melhorar.

O que os números dizem?

Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2024, divulgada em 3 de março, a parcela da população em extrema pobreza caiu de 4,4 % para 3,5 % entre 2023 e 2024. Isso representa cerca de 1,9 milhão de brasileiros a menos nessa condição. Já a pobreza – que inclui quem tem renda insuficiente para garantir o básico – recuou de 27,3 % para 23,1 %, o que equivale a 8,6 milhões de pessoas que deixaram de viver na pobreza.

Como o IBGE mede a pobreza?

O instituto usa o conceito de pobreza monetária, baseado apenas na renda disponível da família, sem levar em conta fatores como qualidade da moradia ou acesso a serviços. Para isso, adota os parâmetros do Banco Mundial, convertidos pela Paridade do Poder de Compra (PPC). Em 2024, a linha de pobreza era de US$ 6,94 por pessoa ao mês, e a de extrema pobreza, US$ 2,18.

Renda per capita em alta

Um dos motivos apontados para a queda da pobreza foi o aumento da renda média das famílias. O rendimento domiciliar per capita chegou a R$ 2.017 mensais, o maior registrado desde 2012 (quando era R$ 1.697). Entre os 10 % mais pobres, a renda subiu 13,2 % em um ano, mostrando que o crescimento não foi uniforme, mas que os mais vulneráveis também ganharam um pouco mais.

Desigualdade ainda é realidade

O Índice de Gini – que mede a concentração de renda – também registrou sua menor marca desde 2012, caindo de 0,517 para 0,504. Ainda que seja uma melhora, esse número ainda indica que a diferença entre ricos e pobres permanece alta. Para colocar em perspectiva, em 2004 o Brasil tinha um Gini de 0,591, um dos maiores do mundo.

O papel do trabalho e dos programas sociais

André Geraldo de Moraes Simões, pesquisador do IBGE, destaca dois pilares: o mercado de trabalho aquecido e a expansão dos benefícios sociais. Mais de 70 % da renda domiciliar per capita vem do trabalho, então, quando surgem vagas e os salários sobem, as famílias sentem o efeito direto.

Ao mesmo tempo, programas como o Bolsa Família (hoje Auxílio Brasil) foram decisivos. Simões estima que, sem esses auxílios, a extrema pobreza subiria de 3,5 % para 10 % e a pobreza geral de 23,1 % para 28,7 %.

Quem ainda está mais vulnerável?

Mesmo com a melhora geral, alguns grupos continuam com taxas alarmantes:

  • Crianças e adolescentes (0‑14 anos): 39,7 % abaixo da linha de pobreza.
  • População negra: 29,8 % dos pardos e 25,8 % dos pretos vivem em pobreza.
  • Mulheres: taxa de pobreza de 24 %, acima dos homens.
  • Idosos: 8,3 %, ainda a menor taxa, graças à aposentadoria.

Desigualdade regional

O Nordeste, que tem 26,9 % da população total, concentra mais da metade das pessoas em extrema pobreza (50,3 %) e 45,8 % das pessoas pobres. No Norte, a taxa de pobreza é de 35,9 %. Em contraste, Sul e Centro‑Oeste têm as menores taxas, com 1,5 % e 1,6 % de extrema pobreza, respectivamente.

Os “working poor” – quem trabalha e ainda assim vive na pobreza

Um dado que costuma passar despercebido é o dos working poor: pessoas ocupadas que ainda vivem em domicílios pobres. Em 2024, 11,9 % dos trabalhadores – cerca de 12 milhões de brasileiros – estavam nessa situação. Entre os desempregados, 47,6 % são pobres, enquanto 27,8 % das pessoas fora da força de trabalho também vivem na pobreza.

As ocupações mais afetadas são:

  • Trabalhadores domésticos – 8,7 % dos trabalhadores pobres.
  • Agricultores e trabalhadores rurais qualificados – 6,6 %.
  • Outras 8 ocupações que juntas somam 41,7 % dos trabalhadores pobres.

O que isso muda no meu dia a dia?

Para quem lê este texto, pode parecer um número distante, mas a realidade tem impactos diretos:

  1. Mais gente com renda acima da linha de pobreza significa maior consumo de bens e serviços, o que pode gerar mais empregos nas áreas de varejo, alimentação e transporte.
  2. Redução da extrema pobreza diminui a pressão sobre programas de assistência emergencial, liberando recursos para investimentos em saúde, educação e infraestrutura.
  3. Desigualdade ainda alta alerta que políticas de redistribuição – como aumento do salário mínimo, tributação progressiva e ampliação de ensino técnico – continuam essenciais.

Desafios que ainda precisamos enfrentar

Mesmo com boas notícias, há muito a fazer:

  • Fortalecer o mercado de trabalho para que mais pessoas tenham empregos formais, com salários dignos e benefícios.
  • Ampliar a cobertura e a qualidade dos programas sociais, garantindo que cheguem a quem realmente precisa, sem burocracias excessivas.
  • Investir em educação e capacitação nas regiões mais vulneráveis, principalmente no Nordeste, para quebrar o ciclo de pobreza intergeracional.
  • Reduzir a desigualdade de renda com políticas fiscais mais justas, que cobrem os excessos dos mais ricos e redistribuem recursos para serviços públicos.

Um olhar para o futuro

Se a tendência de aumento da renda per capita continuar e os programas sociais forem mantidos ou aprimorados, podemos esperar que a taxa de pobreza continue a cair nos próximos anos. Porém, a estabilidade econômica, a inflação e as crises internacionais podem virar o jogo a qualquer momento.

O que fica claro é que a queda da pobreza não é fruto de um único fator, mas da combinação de trabalho, políticas públicas e crescimento econômico. Cada avanço nos dá esperança, mas também nos lembra da responsabilidade de manter o ritmo e garantir que ninguém fique para trás.

Em resumo, a notícia de que o Brasil está no seu melhor nível de pobreza desde 2012 é motivo de celebração, mas também de reflexão. É um convite para que continuemos cobrando políticas eficazes, apoiando iniciativas que gerem emprego e lutando por um país mais justo para todos.