Quando o presidente Donald Trump anunciou, na segunda‑feira (8), um pacote de apoio de US$ 11 bilhões para o agronegócio dos Estados Unidos, a reação nas fazendas foi de alívio tímido. Os agricultores agradeceram a “tábua de salvação”, mas deixaram claro que o dinheiro não resolve o problema de fundo: a combinação de preços baixos, custos crescentes e a guerra comercial que ainda drena a rentabilidade do campo.
O que está por trás da crise?
Para entender por que US$ 11 bi parecem pouco, vale lembrar o cenário que os produtores enfrentam:
- Preços da safra em queda: milho, soja, trigo e amendoim registraram preços historicamente baixos, reduzindo a margem de lucro.
- Custo de insumos em alta: fertilizantes, sementes e, principalmente, a mão de obra, encareceram nos últimos anos.
- Retaliações comerciais: o “tarifaço” imposto por Trump provocou retaliações da China e de outros parceiros, o que acabou reduzindo drasticamente as exportações de soja americana – a China chegou a suspender todas as importações entre maio e novembro.
Somando tudo isso, as perdas estimadas para as nove principais commodities variam entre US$ 35 bilhões e US$ 44 bilhões. Em outras palavras, o auxílio anunciado cobre, no máximo, um quarto dessas perdas.
Como o dinheiro será distribuído?
O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) explicou que o pacote será dividido de acordo com acres plantados, custos de produção e outros indicadores. Isso significa que, embora o valor total pareça alto, a parcela que chega a cada agricultor pode ser bem modesta.
Alguns exemplos:
- Produtores de soja esperam que o apoio cubra apenas cerca de 25% das perdas provocadas pela suspensão das compras chinesas.
- Os agricultores de batata russet, representados pelo National Potato Council, podem solicitar apenas US$ 1 bilhão de um total de US$ 12 bilhões, o que é insuficiente para compensar os cerca de US$ 500 milhões perdidos neste ciclo.
Esses números mostram que, na prática, a maioria dos produtores usará o dinheiro para pagar dívidas ou manter o capital de giro, em vez de investir em tecnologia ou expansão.
O que o governo promete a longo prazo?
A secretária de Agricultura, Brooke Rollins, deixou claro que o objetivo final é “mercados fortes, não cheques do governo”. A ideia é que a lei de impostos e gastos – apelidada de One Big Beautiful Bill – eleve os preços de referência das commodities, acionando os programas de segurança agrícola a partir de outubro de 2026.
Esses ajustes devem aumentar os preços de referência entre 10% e 21%, o que, teoricamente, garantirá pagamentos maiores aos agricultores quando os preços de mercado ficarem abaixo do teto estabelecido. No entanto, especialistas apontam que, mesmo com esses aumentos, a solução ainda será insuficiente para cobrir dívidas acumuladas e custos operacionais que continuam subindo.
O ponto de vista dos que vivem no campo
Mike Stranz, vice‑presidente da National Farmers Union, resumiu a situação: “É uma tábua de salvação, mas não uma solução de longo prazo”. Caleb Ragland, presidente da American Soybean Association, foi ainda mais direto: “O dinheiro está apenas tapando buracos e diminuindo o sangramento”.
Essas frases revelam a frustração de quem vê o auxílio como um curativo temporário. Muitos temem que, se a situação não mudar de forma estrutural, o número de fazendas que fecharão nos próximos anos pode ultrapassar a metade, como sugerem pesquisas da American Bankers Association e da Farmer Mac.
Impactos para o Brasil e o mercado global
Enquanto os EUA lutam para equilibrar seu agronegócio, o Brasil tem aproveitado a brecha deixada pela China. As exportações brasileiras de soja e amendoim para o gigante asiático bateram recordes recentemente, exatamente porque os compradores buscaram alternativas ao fornecedor americano.
Esse deslocamento traz duas consequências importantes:
- O preço da soja brasileira tende a subir, beneficiando produtores locais, mas também pode encarecer o alimento básico para consumidores globais.
- A dependência da China como comprador principal cria vulnerabilidade semelhante à que os EUA enfrentam – se Pequim mudar de estratégia, o Brasil também sentirá o impacto.
Portanto, a crise americana não é apenas um problema interno; ela remodela a dinâmica do comércio agrícola mundial e coloca em foco a necessidade de diversificação de mercados.
O que podemos aprender com tudo isso?
Para quem acompanha a política agrícola, alguns ensinamentos ficam claros:
- Políticas de apoio devem ser mais que paliativos. Um auxílio pontual ajuda a atravessar a crise, mas não substitui reformas estruturais que garantam estabilidade de preços e custos.
- Diversificação de mercados é essencial. Dependência de um único comprador (como a China) pode ser arriscada. Produtores que investem em novos destinos mitigam o risco de sanções ou mudanças de política comercial.
- Investimento em tecnologia pode reduzir vulnerabilidades. Sistemas de irrigação mais eficientes, sementes melhoradas e práticas de manejo que diminuam a necessidade de fertilizantes caros são caminhos para melhorar a margem, independentemente das flutuações de preço.
Se o governo dos EUA realmente quiser transformar a “ponte” em um “caminho sólido”, precisará combinar o auxílio imediato com incentivos à inovação, apoio à exportação e, sobretudo, políticas que estabilizem os preços de referência de forma previsível.
Conclusão
O pacote de US$ 11 bilhões anunciado por Trump representa, na melhor das hipóteses, um alívio temporário para agricultores que já enfrentam perdas de até US$ 44 bilhões. Para a maioria, o dinheiro será usado para pagar dívidas e manter a operação até a próxima safra, mas não será suficiente para investir em melhorias ou expandir a produção.
Enquanto isso, a guerra comercial continua a reverberar nos campos americanos, e o futuro do agronegócio dos EUA parece depender de decisões políticas que vão muito além de um simples cheque. Se a esperança é que a One Big Beautiful Bill traga estabilidade, ainda será preciso observar se os ajustes de preço de referência realmente chegam ao campo e se os agricultores conseguem transformar a ponte em um caminho duradouro.
Para nós, leitores que acompanham o cenário agrícola, a lição é clara: em tempos de volatilidade, a resiliência vem da combinação de apoio governamental, inovação e diversificação de mercados. Só assim os produtores poderão enfrentar as tempestades – sejam elas tarifárias, climáticas ou financeiras.




