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Ajuda de US$ 11 bi de Trump: ponte curta ou solução para os agricultores americanos?

Ajuda de US$ 11 bi de Trump: ponte curta ou solução para os agricultores americanos?

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Por que essa ajuda ainda não basta?

Na segunda‑feira, 8 de maio, o presidente Donald Trump anunciou um pacote de US$ 11 bilhões para o agronegócio dos Estados Unidos. O número parece impressionante, mas, para quem vive no campo, a realidade é bem diferente. Agricultores de soja, milho, trigo e outras commodities contam que o dinheiro chega como uma tábua de salvação – e não como uma solução de longo prazo.

Eu sempre acompanho as notícias do setor agrícola porque, mesmo morando no Brasil, vejo como as decisões de Washington reverberam nas nossas exportações. Quando leio que os produtores americanos ainda estão “retardando o sangramento”, fico pensando nas implicações para todo o mercado global de alimentos.

O cenário antes da ajuda

Antes de mergulharmos nos detalhes da medida de Trump, vale recapitular o que levou os agricultores a pedir socorro. Três fatores principais deixaram o campo norte‑americano em apuros:

  • Preços baixos das commodities: a soja, o milho e o trigo fecharam o ano com valores bem abaixo da média dos últimos dez anos.
  • Custos mais altos: fertilizantes, sementes e até a mão de obra subiram, corroendo a margem de lucro.
  • Guerra comercial: as tarifas impostas pela China – que suspendeu as importações de soja americana por meses – tiraram um dos maiores mercados externos dos EUA.

Segundo o Agricultural Risk Policy Center, as perdas totais das nove principais commodities variam entre US$ 35 e US$ 44 bilhões. Quando se fala em números tão altos, o pacote de US$ 11 bilhões parece mais um band-aid do que um curativo.

O que a ajuda de US$ 11 bi cobre?

O Departamento de Agricultura (USDA) explicou que o objetivo é “manter os produtores até que as mudanças da lei One Big Beautiful Bill entrem em vigor”. Em termos práticos, isso significa:

  1. Pagamentos baseados em acres plantados, custos de produção e outros fatores.
  2. Distribuição de cerca de US$ 1 bilhão especificamente para culturas como batata russet, que sofreu perdas de cerca de US$ 500 milhões.
  3. Um apoio geral que cobre, aproximadamente, um quarto das perdas de soja, segundo a American Soybean Association.

Mas a maioria dos agricultores afirma que o dinheiro será usado para pagar dívidas, não para investir em maquinário ou capital de giro. Uma pesquisa da Purdue University mostrou que mais da metade dos produtores pretende usar o auxílio para quitar empréstimos.

Por que a ajuda é vista como “ponte”?

Mike Stranz, vice‑presidente da National Farmers Union, descreveu o pacote como “uma tábua de salvação”. Ele enfatizou que a medida não resolve o problema estrutural, mas apenas compra tempo até 2026, quando a lei de impostos e gastos deve ajustar os preços de referência das commodities.

Esses preços de referência são os gatilhos que liberam os pagamentos de seguro agrícola. A proposta de Trump aumenta esses valores em 10% a 21%, mas ainda assim, para muitos, isso não cobre a diferença entre o custo de produção e o preço de venda.

Impactos diretos nos produtores de soja

A soja é a história mais emblemática. Quando a China suspendeu as importações entre maio e novembro, os agricultores perderam bilhões em vendas. Caleb Ragland, presidente da American Soybean Association, estima que o auxílio federal cobre apenas 25% das perdas de soja.

Esse número tem consequências reais: menos dinheiro para comprar sementes de alta qualidade, menos investimento em tecnologia de plantio de precisão e, em última instância, menos produção para o próximo ciclo. Isso pode criar um efeito dominó, reduzindo a oferta mundial e influenciando os preços internacionais – inclusive os que recebemos aqui no Brasil.

O que os credores agrícolas preveem?

Uma pesquisa da American Bankers Association e da Farmer Mac, divulgada em novembro, aponta que menos da metade dos tomadores de empréstimos agrícolas será lucrativo até 2026. As principais preocupações são liquidez, renda e inflação.

Em outras palavras, mesmo com o auxílio de Trump, o risco de inadimplência permanece alto. Os bancos esperam que muitos agricultores tenham que renegociar dívidas ou até vender parte das terras para equilibrar as contas.

Comparação com o apoio anterior de Trump

No primeiro mandato, Trump liberou cerca de US$ 23 bilhões em ajuda comercial ao agronegócio, distribuídos ao longo de dois anos. Embora esse número seja maior que os US$ 11 bilhões atuais, o contexto mudou: a guerra comercial se intensificou, a inflação global aumentou e os custos de insumos dispararam.

Além disso, o governo anterior enfrentou críticas por pagamentos excessivos a algumas regiões, devido a cálculos imprecisos do USDA. Isso gerou descontentamento e dúvidas sobre a eficácia dos auxílios.

O que poderia ser feito de verdade?

Se eu fosse consultor do governo, apresentaria algumas ideias que vão além de “ponte”:

  • Revisão dos preços de referência: ajustar não apenas a taxa, mas criar um mecanismo que acompanhe a variação dos custos de insumos em tempo real.
  • Incentivo à diversificação: apoiar a transição para culturas menos vulneráveis a tarifas, como grãos de inverno ou legumes de alto valor agregado.
  • Programas de eficiência energética: subsídios para energia solar ou biogás nas fazendas, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis.
  • Facilitação de exportações: acordos bilaterais que reduzam barreiras tarifárias, especialmente com a China e a União Europeia.

Essas medidas demandam planejamento de médio e longo prazo, mas poderiam transformar a vulnerabilidade dos agricultores em resiliência.

O que isso significa para o Brasil?

Para nós, o Brasil, a situação americana tem duas faces. Por um lado, a fraqueza dos produtores dos EUA abre espaço para que nossas exportações de soja, milho e algodão ganhem participação de mercado. De fato, o Brasil bateu recorde de exportação de soja para a China em 2023, justamente quando Washington enfrentava o “tarifão”.

Por outro lado, a instabilidade do agronegócio norte‑americano pode gerar volatilidade nos preços globais. Se a produção dos EUA cair significativamente, os preços internacionais podem subir, beneficiando nossos produtores, mas também elevando o custo de alimentos para consumidores ao redor do mundo.

Além disso, a discussão sobre políticas de apoio ao campo nos EUA pode servir de alerta para o Brasil repensar seus próprios programas de seguro agrícola e subsídios. A experiência americana mostra que auxílios pontuais não são suficientes para enfrentar choques estruturais.

Conclusão: ponte curta ou oportunidade de mudança?

Em resumo, a ajuda de US$ 11 bilhões anunciada por Trump é, de fato, uma ponte – e como toda ponte, tem limite de carga. Ela permite que os agricultores atravessem o período de crise, mas não garante que cheguem ao outro lado sem danos.

Para quem está no campo, a mensagem é clara: é preciso buscar alternativas, seja diversificando culturas, investindo em tecnologia ou pressionando por políticas mais robustas. Para quem acompanha de fora, a situação americana nos lembra que o agronegócio global está interligado; o que acontece em Iowa pode impactar o preço do feijão nas prateleiras de São Paulo.

E você, já pensou em como as decisões de Washington podem mudar a sua mesa? Fique de olho, porque a próxima rodada de discussões no Congresso pode trazer mudanças ainda maiores – e, quem sabe, abrir novas oportunidades para quem está disposto a se adaptar.