Um passo importante, mas com ressalvas
Na última terça‑feira (16), o Parlamento Europeu aprovou um conjunto de salvaguardas – mecanismos de proteção – para as importações agrícolas vinculadas ao acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Para quem acompanha o agronegócio, isso soa como mais um capítulo de uma negociação que já dura 26 anos.
O que mudou? O texto aprovado está mais rígido que a proposta original da Comissão Europeia. Em vez de deixar o mercado livre, a UE quer garantir que os agricultores europeus não sejam “surpreendidos” por uma enxurrada de produtos do Mercosul que possam abaixar preços ou aumentar a concorrência de forma abrupta.
Como funcionam as salvaguardas?
Em termos simples, as salvaguardas dão ao bloco europeu o direito de suspender temporariamente os benefícios tarifários concedidos ao Mercosul caso alguns gatilhos sejam acionados. Os principais gatilhos são:
- Um aumento de 5 % nas importações de um produto agrícola considerado sensível, medido na média dos últimos três anos.
- Um preço do mesmo produto no Mercosul que seja 5 % inferior ao preço praticado na UE.
- Não conformidade com os padrões de produção europeus (uso de agrotóxicos, rastreabilidade, etc.).
Se algum desses critérios for atingido, a Comissão Europeia pode abrir uma investigação e, se necessário, suspender as tarifas reduzidas ou isentas que beneficiariam as exportações do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Quais produtos estão na mira?
Os alimentos mais sensíveis ao critério de volume são:
- Carne bovina
- Carne de aves
- Carne suína
Além disso, a lista inclui alguns grãos e derivados que, embora não estejam explicitamente citados no resumo da notícia, costumam aparecer em discussões sobre salvaguardas – como soja, milho e derivados de laticínios.
Por que a UE está tão cautelosa?
O agronegócio europeu tem uma estrutura diferente da nossa. Muitos produtores europeus são de pequenas propriedades, dependem de subsídios e de políticas de apoio interno. Uma importação massiva e barata pode, de fato, “desestabilizar” o mercado local. Por isso, o Parlamento quer evitar que o acordo seja percebido como um “chega‑mais” para os agricultores da UE.
Além da questão econômica, há pressão política interna. Na França, por exemplo, há um pedido para adiar a votação do acordo até 2026, enquanto a Alemanha pressiona pela assinatura ainda nesta semana. Essa divergência reflete a realidade de que cada país tem interesses agrícolas próprios.
E o Brasil? O que ganha e o que pode perder?
Para o Brasil, o bloco europeu já é o segundo maior comprador dos nossos produtos agro, atrás apenas da China. O acordo, se aprovado, abriria portas para:
- Redução ou eliminação de tarifas sobre carne, soja, café, açúcar e outros produtos.
- Maior competitividade dos nossos produtos em mercados que exigem padrões elevados de qualidade.
- Fortalecimento da imagem do Brasil como fornecedor confiável e de alta tecnologia.
Por outro lado, as salvaguardas podem virar uma “cobrança extra”. Se as exportações crescerem muito rápido, a UE pode acionar a suspensão e, de repente, nossos produtores teriam que arcar com tarifas que antes estavam isentas. Isso afetaria principalmente os exportadores de grande escala, que dependem de volumes para manter a margem de lucro.
O que os produtores podem fazer agora?
Não é hora de entrar em pânico, mas de se preparar. Algumas estratégias já estão sendo debatidas entre associações como a CNA:
- Monitorar os volumes de exportação: manter um controle rígido das quantidades enviadas para a UE, evitando picos inesperados.
- Investir em certificações: garantir que os produtos atendam aos padrões europeus de rastreabilidade, uso de defensivos e sustentabilidade.
- Diversificar mercados: embora a UE seja importante, continuar a expandir a presença na Ásia, África e Oriente Médio reduz a dependência de um único bloco.
- Negociar contratos de longo prazo com compradores europeus, incluindo cláusulas que protejam contra eventuais mudanças tarifárias.
Essas medidas ajudam a suavizar o risco de uma eventual suspensão temporária das tarifas.
Próximos passos da negociação
Com o Parlamento já tendo aprovado as salvaguardas, a bola agora está com o Conselho Europeu – o conjunto de governos dos países membros. As negociações começaram na quarta‑feira (17) e devem continuar até a quinta (18) e sexta (19). Se tudo correr bem, a votação final pode acontecer ainda nesta semana.
Em caso de aprovação, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deve viajar para a Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, Paraná, no sábado (20), para assinar o tratado. Essa visita será simbólica, mas também um teste de como as duas partes vão lidar com as salvaguardas na prática.
Um olhar para o futuro
O acordo UE‑Mercosul tem potencial de transformar o cenário do comércio global de alimentos. Se as salvaguardas forem aplicadas de forma equilibrada, elas podem servir como um “freio” que impede abusos, sem bloquear totalmente os benefícios esperados.
Para o agronegócio brasileiro, isso significa:
- Maior previsibilidade de acesso a um dos mercados mais exigentes do mundo.
- Pressão para elevar ainda mais os padrões de qualidade e sustentabilidade.
- Necessidade de adaptar estratégias de produção e exportação a um ambiente regulatório mais dinâmico.
Em resumo, o acordo ainda está em construção, mas as salvaguardas aprovadas hoje mostram que a UE quer avançar sem deixar os seus agricultores desamparados. Para nós, a lição é clara: estar preparado, ser flexível e manter a qualidade sempre em primeiro lugar.
Conclusão
Se você, como eu, acompanha de perto o agro, vai perceber que esse é mais um capítulo de uma história longa e cheia de reviravoltas. O importante é não perder de vista o panorama geral: o Brasil tem muito a ganhar com a abertura do mercado europeu, mas também precisa se proteger das possíveis armadilhas que as salvaguardas podem trazer.
Fique de olho nas próximas semanas, acompanhe as decisões do Conselho Europeu e, sobretudo, continue investindo em qualidade. O futuro do nosso agro depende tanto das negociações diplomáticas quanto da capacidade de cada produtor se adaptar a novas regras.




