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A ajuda de US$ 11 bi de Trump: ponte temporária ou solução para o agronegócio americano?

A ajuda de US$ 11 bi de Trump: ponte temporária ou solução para o agronegócio americano?

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Na segunda‑feira (8), o presidente Donald Trump anunciou um pacote de US$ 11 bilhões para apoiar os agricultores dos Estados Unidos. O gesto foi recebido com aplausos nas fazendas, mas, ao conversar com produtores, economistas e banqueiros, ficou claro que o dinheiro é visto mais como uma “tábua de salvação” do que como a solução definitiva para uma crise que já vem se arrastando há anos.

Por que a ajuda foi necessária?

Nos últimos meses, os agricultores americanos têm enfrentado três grandes desafios simultâneos:

  • Preços baixos das commodities: soja, milho, trigo e amendoim registraram quedas de preço que reduziram drasticamente a margem de lucro.
  • Custos crescentes: mão de obra, fertilizantes e sementes estão mais caros, o que eleva o custo de produção e corrói ainda mais os resultados.
  • Guerra comercial: as tarifas impostas pelos EUA a diversos países – principalmente à China – desencadearam retaliações que fecharam mercados importantes para a soja americana.

Esses fatores combinaram‑se para gerar perdas estimadas entre US$ 35 bi e US$ 44 bi nas nove principais commodities, segundo o Agricultural Risk Policy Center da North Dakota State University.

O que realmente cobre o pacote de US$ 11 bi?

O dinheiro será distribuído de acordo com a área plantada, custos de produção e outros indicadores. Não há um ajuste por região, o que significa que produtores de diferentes estados podem receber valores bastante diferentes.

Para colocar em perspectiva, a maioria dos agricultores espera usar esses recursos para pagar dívidas – e não para investir em máquinas novas ou em capital de giro. Uma pesquisa da Purdue University/CME Group mostrou que mais da metade dos produtores pretende usar a ajuda como “ponte” para honrar compromissos financeiros.

Soja: o caso mais crítico

A soja americana foi a commodity mais atingida pela disputa com a China. Quando Pequim suspendeu todas as importações de soja dos EUA entre maio e novembro, os agricultores perderam bilhões em vendas durante o pico de exportação. Caleb Ragland, presidente da American Soybean Association, estima que a ajuda federal cobre apenas cerca de um quarto das perdas de soja.

Ele descreve o pacote como “tapando buracos e diminuindo o sangramento”, mas deixa claro que, sem uma retomada das exportações, o setor continuará vulnerável.

Comparação com medidas anteriores

Durante o primeiro mandato de Trump, cerca de US$ 23 bi foram destinados ao apoio agrícola em dois anos, principalmente como resposta ao chamado “tarifaço”. No entanto, alguns produtores receberam pagamentos excessivos devido a falhas nos cálculos do USDA, conforme apontou um relatório do Government Accountability Office (GAO) de 2021.

O novo pacote faz parte da chamada “One Big Beautiful Bill”, que deve aumentar os preços de referência das commodities entre 10 % e 21 % a partir de outubro de 2026. Essa mudança, embora bem‑vinda, ainda não resolve o problema de liquidez imediato que muitos agricultores enfrentam.

O ponto de vista dos credores

Uma pesquisa realizada em novembro pela American Bankers Association e pela Farmer Mac revelou que menos da metade dos tomadores de empréstimos agrícolas será lucrativo até 2026. As principais preocupações são liquidez, renda e inflação. Em outras palavras, mesmo com a ajuda de US$ 11 bi, o risco de inadimplência permanece alto.

O que isso significa para quem acompanha o agronegócio?

Se você tem interesse em commodities, investe em fundos agrícolas ou simplesmente acompanha o preço dos alimentos, vale entender que a situação nos EUA pode influenciar o mercado global de várias maneiras:

  • Preços internacionais: uma queda na produção americana pode elevar os preços globais de soja e milho, beneficiando produtores de outros países, como o Brasil.
  • Volatilidade cambial: políticas comerciais incertas tendem a aumentar a volatilidade das moedas de países exportadores de commodities.
  • Investimento em tecnologia: a pressão por eficiência pode acelerar a adoção de tecnologias como agricultura de precisão, sementes geneticamente modificadas e fertilizantes de liberação lenta.

Perspectivas para o futuro

O que está em jogo não é só a sobrevivência de algumas fazendas, mas a competitividade do agronegócio americano a longo prazo. Se a estratégia do governo continuar focada em “pagar cheques” em vez de garantir mercados fortes, os produtores podem ficar cada vez mais dependentes de subsídios.

Por outro lado, se a lei One Big Beautiful Bill realmente elevar os preços de referência e abrir novos acordos comerciais, os EUA podem recuperar parte da confiança dos compradores internacionais. Contudo, isso depende de fatores externos – como a política chinesa e a situação econômica global – que estão fora do controle de Washington.

Como os produtores podem se preparar?

Mesmo com a ajuda limitada, há algumas ações que os agricultores podem adotar para mitigar riscos:

  1. Diversificar culturas: reduzir a dependência de uma única commodity diminui o impacto de choques de preço.
  2. Buscar novos mercados: explorar destinos alternativos na Ásia, Europa ou América Latina pode compensar a perda de demanda chinesa.
  3. Investir em eficiência: tecnologias que aumentam a produtividade por hectare ajudam a reduzir custos unitários.
  4. Planejar o fluxo de caixa: usar ferramentas de gestão financeira para mapear pagamentos de dívidas e identificar períodos críticos.

Essas estratégias não eliminam a necessidade de apoio governamental, mas podem tornar a fazenda menos vulnerável a políticas voláteis.

Conclusão

O pacote de US$ 11 bilhões anunciado por Trump chega como uma resposta rápida a uma crise profunda. Ele funciona como uma ponte – útil, mas temporária – que impede que os agricultores “sangrem” imediatamente, mas não cura a ferida. A solução de longo prazo passa por políticas que garantam preços justos, reduzam custos de produção e, sobretudo, mantenham os mercados externos abertos.

Para quem acompanha o agronegócio, a lição é clara: fique de olho nas decisões de Washington, mas também nas movimentações dos concorrentes globais. O futuro da produção de soja, milho e outras commodities ainda está em construção, e cada medida – seja um cheque ou uma negociação comercial – tem seu peso no resultado final.