Na última segunda‑feira, o Banco Central da Argentina (BCRA) divulgou um plano que parece ter sido tirado de um filme de economia: a faixa de negociação do peso será ajustada todo mês de acordo com a inflação oficial. A ideia? Acumular reservas em dólar, dar mais estabilidade ao mercado e, quem sabe, abrir caminho para um crescimento que ainda está engatilhado.
Por que essa mudança é tão importante?
Até agora, o peso vivia com um ajuste fixo de 1 % ao mês. Na prática, esse número ficou muito atrás da realidade inflacionária – em novembro, a inflação chegou a 2,5 %. O novo regime, que começa a valer em 1º de janeiro, cria uma faixa cambial com limites inferior e superior que serão revisados mensalmente, sempre acompanhando o índice de preços.
Como funciona a faixa cambial?
- Limite inferior: o preço mínimo que o peso pode ter em relação ao dólar.
- Limite superior: o preço máximo permitido.
Esses limites funcionam como um amortecedor. Quando o peso tenta subir demais, o limite inferior impede que ele fique barato demais; quando tenta cair, o limite superior contém a desvalorização. O ajuste mensal garante que a faixa reflita a inflação real, evitando que o regime fique “desatualizado” como acontecia antes.
Objetivos claros: reservas e confiança
O BCRA tem duas metas principais com essa política:
- Acumular reservas em moeda estrangeira – a meta inicial é comprar até US$ 10 bilhões, com possibilidade de chegar a US$ 17 bilhões, dependendo dos fluxos do balanço de pagamentos.
- Aumentar a base monetária para 4,8 % do PIB até o fim de 2026 (hoje está em 4,2 %). Isso significa colocar mais pesos em circulação, mas de forma controlada, acompanhando a demanda interna.
Essas metas são reflexo das recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), que tem pressionado a Argentina a reforçar suas reservas para reconquistar o acesso aos mercados internacionais.
Reação dos mercados
Logo após o anúncio, a reação foi mais calma do que se poderia esperar. O peso subiu 0,17 % para 1.438,5 por dólar, o índice S&P Merval avançou 1,13 % e os títulos soberanos ligados ao dólar ganharam força. Essa estabilidade inicial pode ser um sinal de que investidores veem a medida como um passo na direção certa, ainda que o caminho seja longo.
O que isso muda no nosso dia a dia?
Mesmo que você não tenha negócios com a Argentina, a nova política tem impactos que podem chegar até o Brasil:
- Comércio bilateral: um peso mais estável facilita as negociações de exportação e importação, reduzindo o risco cambial para empresas brasileiras que compram produtos argentinos.
- Turismo: viajantes podem encontrar taxas de câmbio mais previsíveis, evitando surpresas desagradáveis ao trocar dinheiro.
- Investimentos: fundos que têm exposição à dívida argentina podem ver menos volatilidade, o que pode tornar esses ativos mais atraentes para investidores brasileiros.
Desafios à vista
Claro que nem tudo são flores. Alguns pontos críticos ainda precisam ser acompanhados:
- Credibilidade dos dados de inflação: o regime depende de números oficiais. Se houver dúvidas sobre a veracidade desses índices, a confiança no mecanismo pode ser abalada.
- Pressão sobre o Banco Central: comprar dólares em grande escala exige recursos e disciplina. Qualquer erro pode gerar perdas significativas.
- Reação do FMI: embora a instituição tenha elogiado a iniciativa, ela continuará monitorando a situação. O apoio futuro pode depender de metas de déficit fiscal e reformas estruturais.
Um olhar para o futuro
Se tudo correr como planejado, a Argentina pode começar a ver um retorno de confiança dos investidores internacionais. O PIB, que deve crescer 3,5 % no terceiro trimestre de 2025, pode ganhar um impulso extra se a estabilidade cambial se mantiver.
Para nós, brasileiros, isso pode significar um ambiente de negócios mais equilibrado na região, menos volatilidade nas cadeias de suprimentos e, quem sabe, mais oportunidades de investimento em um país que tem grande potencial agrícola e energético.
Resumo prático
- Nova regra: faixa cambial ajustada mensalmente à inflação.
- Meta de reservas: US$ 10 b – 17 b.
- Base monetária: aumento para 4,8 % do PIB até 2026.
- Reação inicial dos mercados: leve alta do peso e dos ativos locais.
- Impacto para o Brasil: comércio mais estável, turismo menos arriscado e investimentos mais seguros.
Como sempre, a economia é um organismo vivo. Mudanças como essa são experimentos – alguns dão certo, outros precisam de ajustes. O que fica claro é que a Argentina está tentando mudar o roteiro e, se conseguir, pode abrir portas para uma nova fase de crescimento na região. Vamos acompanhar de perto, porque o que acontece ali pode, em algum momento, bater à nossa porta.




