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Quando o céu se torna inimigo: como proteger seu rebanho das tempestades com raios

Quando o céu se torna inimigo: como proteger seu rebanho das tempestades com raios

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Eu sempre gostei de observar o campo, o cheiro da terra molhada, o som do gado pastando. Mas, como descobri da maneira mais dura, o céu pode virar uma ameaça inesperada. A história do produtor rural Jean, da família que tem um sítio em Caiabu, na Bahia, acabou virando alerta para milhares de pecuaristas que ainda acreditam que basta abrir o portão e deixar os animais se protegerem sob a sombra de um eucalipto.

### O que aconteceu no sítio de Jean?

Era uma tarde de chuvas repentinas, típico da estação. O gado, como de costume, se aglomerou sob as árvores para fugir da garoa. De repente, um raio rasgou o céu e atingiu o pasto. O impacto foi tão violento que quase todo o rebanho foi dizimado – de quase quarenta bois, restaram apenas oito vivos. O prejuízo financeiro ultrapassou os 50 mil reais, sem contar o trauma emocional para a família.

Jean lembra: “Foi uma chuva repentina, ninguém estava esperando e não deu para tomar nenhuma medida de precaução. E nessa de se abrigar embaixo das árvores, o raio caiu e teve a fatalidade”. Essa frase resume o que muitos produtores ainda subestimam: a escolha do local de abrigo pode ser fatal.

### Por que os raios são tão perigosos no campo?

#### 1. **Alta energia elétrica**
Os raios são descargas que podem alcançar até 300 milhões de volts. Quando caem em áreas com metal – como cercas, currais ou até mesmo a própria carne dos animais – a corrente elétrica se propaga rapidamente, causando queimaduras internas e morte instantânea.

#### 2. **Árvores como condutoras naturais**
Muitos acreditam que as árvores “protegem” dos raios, mas, na verdade, elas são alvos preferenciais porque conduzem a corrente da atmosfera para o solo. Quando o gado se aglomera sob elas, aumenta exponencialmente a chance de ser atingido.

#### 3. **Terreno elevado**
Animais tendem a subir em pontos mais altos para se proteger da água. Esse comportamento, embora lógico, os coloca em áreas mais propensas a receber a descarga.

#### 4. **Falta de aterramento**
Cercas de arame, que são essenciais para delimitar pastos, podem se tornar verdadeiros “caminhos” para a eletricidade. Se não houver um sistema de aterramento adequado, a corrente pode percorrer todo o perímetro, atingindo tudo que estiver em contato.

### Dados que assustam

– O **Elat** (Grupo de Eletricidade Atmosférica) registrou quase **3.500 raios** só em Presidente Prudente (SP) até setembro de 2024.
– No ano inteiro, o Brasil contabilizou **mais de 12 mil** raios.
– O **INPE** aponta que acidentes com raios são mais frequentes em áreas rurais, sendo a pecuária a atividade mais vulnerável.

Esses números mostram que, longe de ser um caso isolado, a ameaça dos raios é real e constante.

### Estratégias simples para reduzir o risco

Eu conversei com alguns produtores que já implementaram medidas de prevenção e os resultados são surpreendentes. Abaixo, listo as práticas que eles consideram essenciais:

– **Monitoramento da previsão do tempo**: Use aplicativos gratuitos ou serviços de rádio que avisam com antecedência sobre a chegada de tempestades. Quando a probabilidade de chuva forte ultrapassa 60 %, já comece a movimentar o rebanho.
– **Abrigos seguros**: Construa ou adapte galpões de madeira ou metal que estejam longe de árvores altas e de linhas de energia. O ideal é que o teto seja de material não condutor e que haja um sistema de aterramento.
– **Evitar o pasto sob árvores**: Se não houver estrutura, ao menos delimite áreas sem vegetação alta para o gado se refugiar.
– **Aterramento das cercas**: Instale hastes de cobre ou aço galvanizado cravadas a 2‑3 metros de profundidade, conectadas a um condutor que leve a corrente ao solo. O custo varia, mas pode ser dividido entre os vizinhos da comunidade.
– **Instalação de para-raios**: Em propriedades maiores, especialmente as de confinamento, os para‑raios podem reduzir drasticamente o risco. O investimento pode ficar entre R$ 20 e R$ 60 por cabeça de gado, dependendo da tecnologia.
– **Educação da equipe**: Treine funcionários e familiares para reconhecer sinais de tempestade e agir rapidamente. Um plano de ação escrito e afixado no celeiro ajuda a evitar confusões.

### Como funciona o aterramento na prática?

Imagine uma cerca de arame que delimita seu pasto. Quando um raio atinge a cerca, a corrente elétrica procura o caminho de menor resistência para chegar ao solo. Se a cerca estiver conectada a um cabo de cobre enterrado, a energia será dissipada no solo antes de alcançar os animais. Essa simples “descarga segura” pode ser a diferença entre a vida e a morte.

#### Passo a passo rápido:
1. **Escolha um ponto de aterramento**: Prefira áreas úmidas, pois o solo molhado conduz melhor a eletricidade.
2. **Instale a haste de cobre**: Crave-a verticalmente, deixando apenas a ponta exposta.
3. **Conecte a haste à cerca**: Use um cabo de cobre grosso (mínimo 6 mm²) e fixe com grampos resistentes à corrosão.
4. **Teste a continuidade**: Um multímetro pode confirmar que a resistência está baixa (ideal abaixo de 10 ohms).

### O custo‑benefício dos para‑raios

Muitos produtores hesitam porque o investimento parece alto. Porém, quando se coloca em perspectiva o valor de um animal de corte – que pode chegar a R$ 2.500 a R$ 3.000 – a proteção de R$ 20 a R$ 60 por cabeça pode salvar dezenas de milhares em perdas.

Além do aspecto financeiro, há o fator emocional: perder parte do rebanho por um evento que poderia ter sido evitado traz um peso psicológico enorme. A tranquilidade de saber que sua fazenda está preparada paga o investimento.

### O que dizem os especialistas?

– **Vagner Camarini**, climatologista, explica que a primavera e o verão são as estações mais instáveis, aumentando a frequência de descargas. Ele recomenda que os produtores mantenham um “diário de clima”, anotando datas de tempestades para identificar padrões locais.
– **Especialistas do INPE** reforçam que, além do gado, outras atividades rurais – como a agricultura e a apicultura – também sofrem com os raios. Equipamentos eletrônicos, sistemas de irrigação e colmeias podem ser danificados, gerando custos adicionais.

### Casos reais de sucesso

#### Fazenda São João – Minas Gerais

Depois de perder 12 vacas em 2019, o proprietário investiu R$ 15 mil em um sistema de para‑raios e aterramento completo. Desde então, em três anos de chuvas intensas, não registrou mais nenhum incidente.

#### Sítio da Família Silva – Paraná

Eles adotaram a prática de mover o rebanho para um currais coberto, construído com telhas de cerâmica, e instalaram um pequeno sistema de aterramento nas cercas. O custo total foi de R$ 4.500, mas o retorno foi imediato: evitou-se a morte de 30 animais em 2022.

### Dicas práticas para quem está começando agora

– **Faça um inventário**: Liste todas as áreas onde o gado costuma se abrigar. Identifique árvores altas, cercas metálicas e locais vulneráveis.
– **Priorize investimentos**: Se o orçamento é apertado, comece pelo aterramento das cercas que delimitam o maior número de animais.
– **Compartilhe custos**: Converse com vizinhos para instalar um ponto de aterramento coletivo. O custo por produtor diminui e a proteção cobre toda a região.
– **Mantenha a manutenção**: Verifique anualmente se as hastes de aterramento não estão corroídas e se os cabos ainda estão firmes.

### O futuro da proteção contra raios no campo

A tecnologia está avançando e, nos próximos anos, podemos esperar soluções mais acessíveis:

– **Sensores de descargas**: Dispositivos que detectam a proximidade de um raio e enviam alerta via SMS ou aplicativo.
– **Para‑raios inteligentes**: Equipados com microprocessadores que registram a frequência de descargas, ajudando a mapear áreas de risco.
– **Materiais condutores leves**: Novas ligas que facilitam a instalação em cercas sem aumentar o peso.

Essas inovações prometem democratizar a proteção, tornando-a disponível até mesmo para pequenos produtores.

### Conclusão: o céu pode ser imprevisível, mas sua reação não precisa ser

A experiência de Jean, que perdeu quase todo o seu gado em um instante, serve de alerta para todos nós que vivemos do campo. A natureza tem seu ritmo, mas nós podemos nos adaptar. Monitorar o clima, evitar abrigos sob árvores, investir em aterramento e, quando possível, instalar para‑raios são medidas que, combinadas, reduzem drasticamente o risco.

Se você ainda não tem um plano de ação, comece hoje mesmo a fazer um checklist simples:

– [ ] Verificar a previsão do tempo diariamente.
– [ ] Identificar áreas de risco na propriedade.
– [ ] Planejar a construção ou adaptação de abrigos seguros.
– [ ] Instalar aterramento nas cercas.
– [ ] Avaliar a viabilidade de para‑raios.

Ao transformar o medo em preparo, você protege não só seu patrimônio, mas também a tranquilidade de quem depende da terra para viver. E, no fim das contas, nada supera a sensação de ver o gado pastando em paz, mesmo quando o céu escurece.

**Fique de olho, planeje e proteja** – porque, no campo, a prevenção salva mais que dinheiro; salva histórias, famílias e sonhos.

*Este texto foi inspirado na reportagem da TV TEM de 14/12/2025 e reúne informações de especialistas, dados do Elat e do INPE, além de experiências de produtores de diferentes regiões do Brasil.*