Quando eu vi a notícia de que o presidente Trump – ou melhor, a Casa Branca – anunciou um bloqueio total a petroleiros venezuelanos, confesso que a primeira reação foi de surpresa. Não é todo dia que vemos um país tão rico em reservas de petróleo ser colocado debaixo de um verdadeiro cerco econômico. Mas, ao olhar mais de perto, percebo que essa história tem raízes profundas, impactos que vão muito além de um simples embargo e consequências que podem tocar o bolso de quem mora no Brasil.
Por que a Venezuela importa tanto?
O número que costuma aparecer nos noticiários é impressionante: cerca de 303 bilhões de barris de reservas comprovadas. Isso coloca o país à frente da Arábia Saudita (267 bilhões) e do Irã (209 bilhões). Em termos de volume, a Venezuela tem quase quatro vezes mais petróleo que os Estados Unidos. Mas, como tudo na vida, quantidade não é sinônimo de qualidade. Grande parte desse petróleo é extrapesado, ou seja, precisa de tecnologia avançada e investimentos gigantes para ser extraído. Sem esses recursos, o potencial fica “enterrado” nas terras venezuelanas.
História curta, mas cheia de altos e baixos
Para entender o porquê das tensões, vale lembrar que o petróleo moldou a economia venezuelana desde a década de 1920. Depois das grandes descobertas, o país se tornou um dos maiores produtores do mundo e, em 1960, ajudou a fundar a OPEP. Em 1976, o governo nacionalizou a indústria, criando a PDVSA, que virou um monopólio estatal. Nos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, a maior parte da renda do petróleo foi destinada a programas sociais, mas, ao mesmo tempo, os investimentos em infraestrutura e manutenção foram deixados de lado.
O resultado? Entre 1998 e 2019, mais de 90% das exportações venezuelanas vieram do petróleo. Quando a produção começou a cair – de 3,7 milhões de barris/dia em 1970 para menos de 1 milhão em 2024 – o país ficou vulnerável. As sanções internacionais, que começaram a se intensificar em 2019, fecharam ainda mais as portas para capitais e tecnologia.
Sanções dos EUA: o que mudou?
Desde que Donald Trump chegou ao poder, ele usou as sanções como ferramenta de pressão política. Em 2019, o governo dos EUA proibiu a maioria das empresas americanas de fazer negócios com a PDVSA e congelou ativos venezuelanos no exterior. A ideia oficial era combater o narcotráfico e a corrupção, mas especialistas apontam que há um segundo objetivo: garantir acesso a essas reservas gigantescas.
O bloqueio total a petroleiros, anunciado em 16 de outubro, é a última cartada. Na prática, qualquer navio que tente carregar petróleo venezuelano tem a permissão de navegação revogada pelos EUA. A Venezuela tentou driblar a medida usando “navios fantasmas”, que mudam de nome e bandeira a cada viagem. Mas a pressão está crescendo, e a Casa Branca afirma que a medida faz parte de uma estratégia mais ampla de conter atividades ilícitas.
Por que os EUA se importam tanto?
- Compatibilidade com refinarias americanas: O petróleo venezuelano tem características que se encaixam bem nas refinarias dos EUA, o que poderia ajudar a baixar os preços internos.
- Diversificação da fonte de energia: Em meio à reconfiguração global do mercado energético, garantir acesso a uma reserva tão grande pode ser visto como uma jogada de segurança nacional.
- Pressão geopolítica: Reduzir a dependência da Venezuela da China (que se tornou o principal comprador após as sanções) pode mudar o equilíbrio de poder na região.
E o que isso tem a ver comigo?
Você pode estar se perguntando: “Mas eu não compro petróleo venezuelano, então por que devo me importar?” A resposta está nos efeitos colaterais. Quando os EUA restringem a oferta global, o preço do barril tende a subir. Isso se reflete nos custos de transporte, nos preços dos combustíveis e, em última instância, na conta de luz de quem usa energia elétrica gerada por termelétricas.
No Brasil, a relação com o petróleo venezuelano é indireta, mas significativa. Grande parte do petróleo importado pelos nossos terminais de refino vem de países que, por sua vez, compram petróleo de várias fontes, incluindo a Venezuela. Um bloqueio maior pode gerar escassez de crúmen, pressionando os preços nacionais. Além disso, a instabilidade na região pode afetar investimentos em infraestrutura de energia na América Latina, o que tem reflexos nos projetos de gás natural e energia renovável que o Brasil tem buscado.
Impactos econômicos na Venezuela
Os números são duros. Em 2024, a PDVSA faturou cerca de US$ 17,5 bilhões, com mais de 58% da receita vindo das exportações de petróleo. Desses, aproximadamente US$ 10,4 bilhões foram destinados ao Tesouro como impostos e royalties. Contudo, as sanções custaram à Venezuela cerca de US$ 226 bilhões em receitas perdidas entre 2017 e 2024 – um valor maior que o PIB atual do país (cerca de US$ 108,5 bilhões).
Mesmo com uma leve recuperação – crescimento de 7,71% no primeiro semestre de 2025 – a economia ainda depende quase que exclusivamente do petróleo. Quando a produção cai, tudo desmorona: a inflação dispara (em 2019 chegou a 344.510%), a escassez de bens básicos aumenta e a população sofre.
O futuro do mercado petrolífero venezuelano
Olhar para o futuro é complicado, mas alguns cenários são plausíveis:
- Continuação das sanções: Se os EUA mantiverem o bloqueio, a Venezuela terá que depender cada vez mais de “navios fantasmas” e de acordos com a China e a Rússia. Isso pode gerar mais instabilidade e menor investimento em tecnologia.
- Negociações políticas: Uma mudança de governo ou um acordo diplomático pode abrir espaço para a retomada de investimentos estrangeiros. A Chevron, por exemplo, ainda opera sob autorização especial.
- Transição energética: A longo prazo, a demanda global por petróleo pode cair à medida que energias renováveis ganhem espaço. Nesse caso, a Venezuela precisará diversificar sua economia – algo que, historicamente, tem sido um grande desafio.
O que podemos fazer?
Mesmo que pareça distante, há algumas atitudes que podem mitigar os efeitos:
- Ficar informado: Entender como o preço do petróleo afeta a economia ajuda a tomar decisões mais conscientes, seja na hora de escolher um carro mais econômico ou ao planejar viagens.
- Investir em alternativas: Se você tem a possibilidade, considere fontes de energia renovável para sua casa ou empresa. Reduzir a dependência de combustíveis fósseis pode ser vantajoso a longo prazo.
- Pressionar por políticas públicas: Cobrar dos nossos representantes medidas que incentivem a produção nacional de energia limpa e a redução de impostos sobre combustíveis pode ajudar a equilibrar o impacto de choques externos.
Conclusão
O cerco dos EUA ao petróleo venezuelano não é apenas mais um capítulo de geopolítica distante. Ele tem reflexos reais nos preços que pagamos, nas políticas energéticas que são adotadas e, sobretudo, na vida de milhões de venezuelanos que já vivem em condições difíceis. Entender o contexto – das reservas gigantescas à história de sanções – nos ajuda a perceber que, num mundo cada vez mais interconectado, o que acontece em Caracas pode, sim, mudar a conta de luz aqui no Brasil.
E você, já percebeu alguma mudança nos preços dos combustíveis nos últimos meses? Como acha que a situação da Venezuela pode influenciar o futuro da energia na América Latina? Compartilhe sua opinião nos comentários – a conversa está apenas começando.




