Introdução: quando a mesma moeda tem caras diferentes
Eu sempre fico intrigado quando vejo números que dizem uma coisa e, ao mesmo tempo, outra fonte aponta o contrário. Recentemente, o Brasil ganhou duas “versões” sobre a desigualdade social: um relatório internacional que indica que a diferença entre ricos e pobres está crescendo, e um estudo do Ipea que celebra a menor desigualdade em 30 anos. Como entender essa disputa? Vamos destrinchar os detalhes, falar sobre as metodologias e, principalmente, refletir sobre o que tudo isso significa para a gente no dia a dia.
Os dois protagonistas da discussão
World Inequality Report 2026 – elaborado por um time de economistas liderado por Thomas Piketty, traz dados que combinam a pesquisa domiciliar do IBGE com informações da Receita Federal. O foco está na renda dos 10% mais ricos versus a dos 50% mais pobres. O resultado? Um leve aumento da concentração de renda entre 2014 e 2024.
Nota técnica do Ipea (2024) – usa apenas a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. Ela aponta que a desigualdade atingiu o menor nível em três décadas, graças ao crescimento da renda dos mais pobres e à queda da pobreza extrema.
Por que as conclusões divergem?
O ponto central da divergência está na fonte dos dados. Enquanto o World Inequality Report inclui declarações de Imposto de Renda – que capturam ganhos de capital, investimentos e outras rendas que não aparecem nas pesquisas domiciliares – o Ipea se baseia apenas nas respostas da PNAD, que costumam subestimar a renda dos mais ricos.
- Pesquisa domiciliar (PNAD): entrevista direta nas casas, boa para medir salários e rendas formais, mas falha ao captar rendimentos de investimentos e de quem tem renda informal.
- Declarações de IR: dados fiscais precisos sobre os 1% mais ricos, porém com atrasos na publicação e possíveis distorções temporárias (ex.: mudanças nas alíquotas de investimentos).
Essa diferença metodológica gera duas narrativas que, à primeira vista, parecem incompatíveis, mas que na prática se complementam se analisarmos o que cada número realmente representa.
O que os números dizem, de fato?
Vamos separar os principais indicadores:
- Coeficiente de Gini (PNAD): caiu de 61,5 para 50,4 entre 2014 e 2024 – uma redução de quase 18%.
- Renda média per capita (PNAD): subiu quase 70%, de R$ 1.191 para R$ 2.015.
- Participação dos 10% mais ricos (World Inequality Report): aumentou de 57,9% para 59,9% em 2021, recuando levemente para 59,1% em 2024.
- Participação dos 50% mais pobres (World Inequality Report): caiu de 10,7% para 8,2% em 2021, voltando a 9,3% em 2024.
Em resumo, a renda dos mais pobres cresceu bastante, tirando milhões da pobreza extrema. Ao mesmo tempo, a fatia dos mais ricos continua dominante, e até aumentou um pouco nos últimos anos. Por isso, quem olha só para a PNAD vê “melhora”, enquanto quem inclui a Receita Federal vê “piora”.
Por que isso importa para a gente?
Se você tem uma família que depende de programas como Bolsa Família, o dado da redução da pobreza tem impacto direto: mais dinheiro no bolso, mais acesso a alimentação e educação. Já se você está na classe média alta, a concentração de renda dos 1% pode influenciar políticas de impostos, acesso a crédito e até o preço de imóveis.
Além disso, a forma como o governo comunica esses números tem consequência política. O presidente Lula usou a nota do Ipea para reforçar a mensagem de que o país está avançando, enquanto críticos apontam que a realidade dos mais ricos ainda está longe de mudar.
O que os especialistas dizem
Economistas como Guilherme Klein (Universidade de Leeds) defendem que, para medir desigualdade, é essencial incluir o topo da pirâmide – os 1% – porque eles detêm a maior parte da riqueza. Sem esses dados, a análise pode subestimar o problema.
Por outro lado, Pedro Herculano de Souza, sociólogo do Ipea, argumenta que a escolha dos dados foi guiada pela necessidade de ter informações mais recentes. Ele reconhece as limitações da PNAD, mas acredita que, ao menos, ela oferece um panorama da evolução da renda dos mais pobres no pós‑pandemia.
Como usar essas informações no seu planejamento financeiro
Mesmo que os números pareçam distantes, eles podem orientar decisões práticas:
- Investimentos em renda fixa: com a concentração de renda no topo, a taxa de juros real pode permanecer alta, tornando títulos públicos e CDBs atrativos.
- Educação e qualificação: o aumento da renda média indica que o mercado de trabalho está pagando mais, mas ainda há grande diferença entre setores. Investir em cursos pode ajudar a subir na escala de renda.
- Consumo consciente: se a desigualdade persiste, os preços de bens essenciais podem subir mais rápido que salários de baixa renda. Planejar compras e buscar descontos pode proteger o orçamento.
- Participação cívica: entender as metodologias ajuda a questionar políticas públicas e a cobrar transparência nos dados que embasam decisões governamentais.
O futuro da medição da desigualdade no Brasil
O debate mostra que ainda precisamos melhorar a coleta de dados. Algumas sugestões que surgiram nas entrevistas:
- Integrar, de forma segura, as bases do IBGE e da Receita Federal para ter uma visão mais completa.
- Atualizar mais rapidamente os dados tributários, permitindo análises em tempo real.
- Expandir pesquisas domiciliares que incluam perguntas sobre rendimentos de capital e investimentos.
Se essas mudanças acontecerem, teremos indicadores que reflitam melhor a realidade e, quem sabe, políticas mais eficazes para reduzir a desigualdade.
Conclusão: não há resposta simples
O Brasil está, sem dúvidas, avançando em alguns indicadores – a pobreza extrema diminuiu, a renda média subiu. Mas a concentração de renda nos 10% mais ricos ainda é alta e, segundo o World Inequality Report, até aumentou nos últimos anos. O que isso significa? Que a luta contra a desigualdade continua, e que precisamos olhar para ambos os lados da moeda.
Para quem acompanha a economia, a lição é clara: não acredite em um único número. Compare fontes, entenda metodologias e, sobretudo, pense em como esses dados afetam sua vida e a de quem está ao seu redor.
E você, o que acha? A desigualdade está diminuindo ou crescendo? Como esses números mudam sua visão sobre o futuro do Brasil?




