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Tarifaço nos EUA: Como a metade das exportações agro brasileiras está em risco

Tarifaço nos EUA: Como a metade das exportações agro brasileiras está em risco

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Se você acompanha um pouco o que acontece no agronegócio, provavelmente já ouviu falar do tal tarifaço que o governo dos Estados Unidos impôs a vários produtos brasileiros. Mas, para quem não vive no meio das negociações comerciais, o assunto pode parecer distante e complicado. Eu mesmo só descobri a real dimensão do problema ao ler um relatório da CNA que mostrava que quase metade das exportações agro para os EUA ainda paga a taxa extra de 40 %.

O que exatamente é o tarifaço?

Em termos simples, o tarifaço é uma sobretaxa que o presidente americano, Donald Trump, decidiu aplicar a alguns produtos importados como forma de retaliação comercial. No caso do Brasil, a medida começou em abril de 2023, com uma taxa de 10 % sobre cerca de 200 itens, e depois foi elevada para 40 % em julho. Embora parte dessas tarifas tenha sido suspensa em novembro, ainda há uma lista de produtos que continuam pagando o preço extra.

Quais produtos ainda sofrem a tarifa?

De acordo com a diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori, cerca de 45 % do valor exportado em 2024 ainda está sujeito à taxa de 40 %. Os números são impressionantes:

  • Tilápia: 97,4 % das exportações vão para os EUA.
  • Sebo bovino: 93,6 % das vendas são direcionadas ao mercado americano.
  • Mel: 78,2 % das exportações chegam ao mesmo destino.

Esses três produtos, por si só, representam um volume enorme de faturamento, e a taxa extra pode transformar um negócio lucrativo em um prejuízo considerável.

Quanto isso pode custar ao agro?

Durante a coletiva de imprensa, Mori estimou que, se as tarifas não forem revertidas, o agronegócio brasileiro pode perder até US$ 2,7 bilhões no próximo ano. Para colocar em perspectiva, esse valor equivale a quase 1 % do PIB do setor. É dinheiro que poderia ser investido em tecnologia, em expansão de áreas de produção ou até em melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais.

Por que alguns produtos foram isentos?

Vale lembrar que nem tudo ficou sob a mesma penalidade. Quando a Casa Branca suspendeu a taxa para mais de 200 mercadorias, itens como café em grão e carne bovina foram retirados da lista. Esses dois produtos são, respectivamente, o segundo e o terceiro maiores exportadores do agro brasileiro para os EUA, logo atrás dos produtos florestais.

Já o café solúvel e a uva continuam na lista de cobrança. No caso do café solúvel, a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) alerta que os americanos ainda compram 38 % do seu consumo de café importado vindo do Brasil. Se a tarifa permanecer, os compradores nos EUA podem buscar fornecedores alternativos como México, Colômbia, Vietnã e até a Europa.

O que está acontecendo com a uva?

A situação da uva ilustra bem como a política comercial pode mudar rapidamente o rumo de um mercado. Os EUA são grandes produtores de uva e esperam uma supersafra no próximo ciclo, o que reduz a necessidade de importações. Além disso, o país tem aumentado as compras de Chile e Peru. Por isso, a uva brasileira foi deixada de fora da exceção de “frutas frescas”.

Segundo Eduardo Brandão, da Abrafrutas, os cachos que deixaram de ir para os EUA já foram redirecionados para a Europa e para países da América do Sul. O problema, porém, é que a demanda menor diminui o poder de negociação dos produtores brasileiros, que acabam vendendo a preços mais baixos.

Como isso afeta o consumidor brasileiro?

Talvez você se pergunte: “E eu, que não vendo peixe nem sebo, como isso me afeta?”. A resposta está na cadeia de valor. Quando os exportadores perdem margem, eles podem repassar parte desse custo para os compradores internos, elevando o preço de produtos como tilápia, mel ou até alimentos processados que utilizam sebo bovino como ingrediente.

Além disso, a perda de competitividade nos EUA pode levar a uma diminuição dos investimentos no setor, o que significa menos empregos e menos inovação tecnológica. Em longo prazo, isso pode refletir em preços mais altos na mesa do brasileiro.

O que pode mudar?

Existem alguns caminhos que podem aliviar a situação:

  1. Negociação diplomática: O Brasil pode buscar acordos bilaterais ou usar a Organização Mundial do Comércio (OMC) para contestar a tarifa.
  2. Diversificação de mercados: Redirecionar as exportações para a União Europeia, Ásia ou outros parceiros comerciais pode reduzir a dependência dos EUA.
  3. Inovação e valor agregado: Transformar produtos básicos em versões premium ou processadas pode abrir novos nichos menos sensíveis a tarifas.
  4. Política de apoio interno: Incentivos fiscais ou linhas de crédito específicas para os setores mais atingidos podem amortecer o impacto.

É claro que nenhuma dessas soluções é simples ou imediata, mas mostram que há alternativas ao simples “aceitar a dor”.

Um olhar para o futuro

Se a política americana mudar com a próxima administração, há chances de que as tarifas sejam revistas ou até eliminadas. Enquanto isso, o agronegócio brasileiro precisa se adaptar rapidamente. A história nos mostra que crises comerciais costumam ser oportunidades disfarçadas para quem está disposto a inovar.

Eu, pessoalmente, vejo duas lições principais: primeiro, a importância de não colocar todos os ovos em uma única cesta – diversificar mercados é essencial. Segundo, a necessidade de investir em tecnologia e qualidade para que nossos produtos se destaquem mesmo quando houver barreiras tarifárias.

Em resumo, o tarifaço ainda pesa sobre quase metade das exportações agro para os EUA, ameaçando bilhões de dólares. Mas, com estratégia, negociação e inovação, o Brasil tem condições de transformar esse desafio em um ponto de virada para o setor.