Se você faz parte da classe média brasileira, já deve ter sentido que o dinheiro rende cada vez menos. Não é só impressão: a combinação de inflação alta, carga tributária pesada e um sistema de impostos que favorece quem ganha mais está apertando o bolso de quem tem renda entre 1 e 20 salários mínimos.
O que está por trás desse aperto?
Os especialistas consultados pelo G1 apontam quatro fatores principais:
- Composição da renda: a maior parte dos ganhos da classe média vem de salários e rendimentos tributáveis.
- Defasagem da tabela do Imposto de Renda: a faixa de isenção não acompanha a alta dos salários.
- Tratamento desigual para rendas semelhantes: quem recebe dividendos paga menos impostos que quem tem salário.
- Alto percentual da renda destinado ao consumo: impostos sobre consumo consomem grande parte da receita das famílias.
Renda tributável x renda isenta
Para entender a diferença, imagine duas famílias: uma que ganha R$ 2 mil por mês e outra que ganha R$ 30 mil. A família de renda mais alta tem grande parte dos recursos vindo de ganhos de capital – como ações e imóveis – que são, em grande parte, isentos de tributação. Já a família de R$ 2 mil depende quase que exclusivamente do salário, que entra integralmente na base do Imposto de Renda.
Um estudo do Sindifisco mostrou que quem ganha acima de 240 salários mínimos (mais de R$ 316 mil mensais) tem 71 % da renda isenta de impostos, enquanto quem ganha entre 1 e 2 salários mínimos tem apenas 10,7 % isentos. Isso significa que a mesma porcentagem de renda está sendo tributada de forma muito mais agressiva para quem está na classe média.
O efeito da tabela do Imposto de Renda congelada
Desde 2015 a tabela do IR não foi reajustada de acordo com a inflação. Como consequência, a base de cálculo diminui e mais contribuintes são empurrados para faixas de alíquota maior. O resultado? Uma pessoa que antes pagava 12 % pode agora estar pagando 15 % ou 16 % sem ter percebido um aumento real de renda.
O governo pretende mudar isso em 2025, com a proposta de isenção para quem ganha até R$ 5 mil. Se aprovada, a medida deve beneficiar cerca de 20 % da população, mas ainda deixa a maior parte da classe média sem alívio significativo.
Desigualdade na tributação de rendas semelhantes
Um ponto que gera muita indignação é a diferença entre quem recebe salário e quem recebe dividendos. Imagine duas pessoas que ganham R$ 10 mil: o trabalhador paga cerca de 15 % de alíquota efetiva, enquanto o pequeno empresário que recebe o mesmo valor como dividendos paga zero imposto sobre esse montante. Essa distorção incentiva a chamada “pejotização”, onde empresas contratam profissionais como pessoa jurídica para reduzir encargos trabalhistas e tributários.
Além de gerar perda de arrecadação, essa prática aumenta a precarização do trabalho, já que o trabalhador PJ não tem direito a férias, 13º salário ou FGTS.
Impostos sobre o consumo: o peso das famílias de baixa renda
Para quem tem menor poder aquisitivo, a maior parte dos tributos vem dos impostos indiretos – ICMS, PIS, Cofins – que incidem sobre tudo o que compramos. O advogado tributarista Marcus Vinícius Nunes Morais estima que uma família que ganha até um salário mínimo paga cerca de 50 % de alíquota efetiva, quase tudo em impostos sobre consumo.
Já uma família que ganha 50 salários mínimos tem alíquota efetiva de pouco mais de 25 %. O contraste é enorme: enquanto a primeira família tem metade da renda consumida por tributos, a segunda tem apenas um quarto.
O que a reforma tributária traz até agora?
A reforma aprovada no fim de 2023 ainda está em fase de implementação. A primeira etapa, que trata da simplificação dos impostos sobre consumo, deve entrar em vigor em 2033. A segunda fase, que aborda a tributação da renda, ainda está em debate no Congresso.
Entre as propostas mais comentadas estão:
- Ampliação da faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil.
- Criação de alíquota mínima para os mais ricos.
- Tributação de lucros e dividendos, que hoje são isentos.
- Revisão das alíquotas de ICMS e PIS/Cofins para reduzir o peso sobre o consumo.
Apesar das boas intenções, a Oxfam Brasil alerta que o Brasil ainda tributa mais o consumo que a renda, o que penaliza as classes mais pobres.
O que isso significa para o seu dia a dia?
Se você está tentando equilibrar as contas, aqui vão algumas dicas práticas:
- Planeje o orçamento mensal: identifique quanto da sua renda vai para impostos indiretos e busque alternativas (como compras em lojas com menor carga de ICMS).
- Considere a formalização como PJ com cautela: a redução de encargos pode parecer vantajosa, mas lembre-se da falta de direitos trabalhistas.
- Invista em educação financeira: entender a diferença entre renda bruta e líquida ajuda a evitar surpresas na hora de declarar o IR.
- Acompanhe a reforma: mudanças na tabela do IR ou na tributação de dividendos podem impactar diretamente seu planejamento.
Olhar para o futuro
O grande desafio é que a reforma tributária ainda depende da vontade política, e 2026 será um ano eleitoral que pode atrasar ainda mais as decisões. Enquanto isso, a classe média continuará sentindo o aperto da inflação e dos impostos.
Mas há esperança: a pressão da sociedade civil, combinada com estudos que evidenciam a ineficiência do modelo atual, pode acelerar a adoção de medidas mais justas. Enquanto isso, a melhor estratégia é se manter informado, ajustar o orçamento e buscar alternativas que reduzam a carga tributária direta.
Se você se identificou com esse panorama, compartilhe este post. A discussão sobre justiça fiscal só avança quando mais pessoas participam.




