Na última segunda‑feira, a Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (INTA) aprovou um conjunto de salvaguardas que vão regular as importações agrícolas dos países do Mercosul. Para quem trabalha no campo, no frigorífico ou acompanha as exportações, a notícia tem um tom de alerta, mas também de oportunidade.
Entendendo as salvaguardas
Em termos simples, as salvaguardas são mecanismos que permitem à UE suspender temporariamente as preferências tarifárias quando as importações de determinados produtos aumentam de forma que possam prejudicar os produtores europeus. No caso do acordo UE‑Mercosul, o foco está em produtos que a UE considera “sensíveis”, como carne bovina e de frango.
Como funciona na prática?
- Se a média de importação desses produtos subir 5 % em três anos – número que antes era 10 % – a comissão pode abrir uma investigação.
- O prazo para concluir a investigação foi encurtado de seis para três meses (ou de quatro para dois meses para os produtos mais sensíveis).
- Durante a investigação, a UE pode aplicar medidas de proteção, como tarifas adicionais ou exigências de reciprocidade nos padrões de produção.
Por que a UE está apertando o gatilho?
O bloco europeu tem enfrentado pressão de agricultores internos que temem ser engolidos por concorrentes mais baratos. Na França e na Polônia, por exemplo, protestos contra o acordo já foram frequentes. Reduzir o limite de aumento de importações de 10 % para 5 % e acelerar o processo de investigação são respostas diretas a essas preocupações.
O que isso representa para o Brasil?
O Brasil é um dos maiores produtores de carne bovina do mundo e, portanto, um dos principais candidatos a se beneficiar do acordo. Contudo, a UE ainda não assinou o tratado; ele está preso em etapas de aprovação. Se as salvaguardas forem acionadas, podemos ter:
- Tarifas temporárias sobre a carne exportada para a UE, reduzindo a competitividade dos nossos produtos.
- Exigências de padrão – a UE pode exigir que os produtores do Mercosul adotem práticas agrícolas semelhantes às europeias, o que pode elevar custos.
- Incerteza de mercado – compradores europeus podem adiar contratos até que a situação se estabilize.
Mas há também um lado positivo
Mesmo com as salvaguardas, o acordo ainda abre portas. A UE já representa 14 % das exportações agropecuárias brasileiras, atrás apenas da China. Se o acordo for ratificado, tarifas reduzidas ou zeradas podem ampliar ainda mais esse número. Além disso, a possibilidade de negociar padrões de produção pode incentivar melhorias de qualidade que agregam valor aos nossos produtos nos mercados internacionais.
Um acordo que vem de longe
As negociações entre a UE e o Mercosul começaram em 1999. Depois de um hiato, o primeiro texto foi assinado em 2019, mas a ratificação ficou parada por divergências políticas e ambientais. Em 2024, a Comissão Europeia retomou as conversas, e agora, com a aprovação das salvaguardas, o processo volta a ganhar ritmo. A próxima votação no plenário do Parlamento europeu está prevista para a semana que vem, seguida da assinatura formal na Cúpula de Líderes do Mercosul em Foz do Iguaçu (PR).
Desmatamento e a lei de 2026
Um ponto que ainda gera preocupação no Brasil é a lei europeia que proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento, com vigência prevista para 2026. Se aprovada, essa regra pode limitar ainda mais as exportações de carne e soja, que são frequentemente associadas a áreas de fronteira agrícola. O Brasil tem buscado dialogar com a UE para encontrar mecanismos de certificação que atendam às exigências sem comprometer a competitividade.
O que podemos fazer agora?
Para produtores, exportadores e até consumidores, algumas ações são úteis:
- Monitorar indicadores – acompanhar o volume de exportação para a UE e a evolução dos percentuais de crescimento.
- Investir em certificações – buscar selos de sustentabilidade que possam atender às exigências europeias.
- Diversificar mercados – não colocar todos os ovos na cesta da UE; explorar oportunidades na Ásia, Oriente Médio e África.
- Participar do debate – associações de produtores podem se envolver nas discussões junto ao governo para garantir que as salvaguardas sejam aplicadas de forma justa.
Olhar para o futuro
Se tudo correr bem, o acordo UE‑Mercosul será assinado ainda este mês, e as salvaguardas servirão como um “freio” que pode ser acionado apenas quando realmente necessário. Isso traz segurança para os agricultores europeus, mas também cria um ambiente de negociação mais equilibrado para o Brasil.
Em última análise, a aprovação das salvaguardas não significa o fim das esperanças brasileiras. Significa, antes, que o jogo está ficando mais complexo e que precisamos estar preparados para adaptar estratégias, melhorar padrões e, sobretudo, manter o diálogo aberto com nossos parceiros europeus. O futuro do agro brasileiro ainda tem muito a crescer – basta que a gente saiba ler os sinais e agir no tempo certo.




