Quando a gente ouve falar de guerra comercial entre Estados Unidos e China, costuma imaginar tensões no Vale do Silício ou tarifas sobre eletrônicos. Mas, na prática, esse embate tem um efeito direto na mesa do brasileiro, principalmente se você tem alguma relação – direta ou indireta – com a agricultura. Em 2025, o Brasil quebrou recordes de exportação de soja e amendoim para a China. Parece um número impressionante, né? Vamos entender por que isso aconteceu, o que isso traz de positivo (e de desafios) e como isso pode mudar a nossa vida nos próximos anos.
Como chegamos a esse recorde?
O ponto de partida foi a chamada guerra comercial entre Washington e Pequim. Quando os EUA aumentaram tarifas sobre produtos agrícolas chineses, a China buscou novos fornecedores para garantir a segurança alimentar e manter a produção de óleo e ração animal. Foi aí que o Brasil entrou em cena, com duas vantagens claras:
- Capacidade de produção: o país já era o maior exportador mundial de soja e tem uma cadeia consolidada de amendoim.
- Custo competitivo: o preço do dólar, aliado à eficiência dos nossos produtores, torna o grão brasileiro muito atraente.
Os números falam por si:
- Soja: 80,9 milhões de toneladas exportadas para a China entre janeiro e novembro de 2025 – superando o recorde de 2023 (75,5 Mt).
- Amendoim: 63 mil toneladas enviadas ao gigante asiático no mesmo período, um salto de mais de 2.600 % em relação aos dois anos anteriores combinados.
Esses volumes são tão grandes que, segundo a Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec), o Brasil deve fechar 2025 com cerca de 105 milhões de toneladas de soja exportada, dos quais 80 % vão para a China.
O que mudou no mercado interno?
Para quem trabalha no campo, o impacto foi imediato. Os preços internos da soja subiram, oferecendo margens melhores para os produtores. No caso do amendoim, a situação foi ainda mais dramática: antes, a China comprava cerca de 300 mil toneladas por ano de amendoim com casca dos EUA. De repente, o Brasil virou o principal fornecedor, tirando o lugar da Rússia e da União Europeia.
Mas não é só de números que vive o agronegócio. O aumento da demanda chinesa também gerou:
- Novas linhas de crédito para pequenos e médios produtores, especialmente nas regiões de Goiás, Mato Grosso e Paraná.
- Investimentos em tecnologia, como sistemas de monitoramento de safra via satélite, que ajudam a melhorar a produtividade e a qualidade do grão.
- Expansão da cadeia logística, com novos armazéns, terminais portuários e frota de caminhões adaptados.
Benefícios para o consumidor brasileiro
Você pode estar se perguntando: “E eu, que não lido com soja nem amendoim, como isso me afeta?” A resposta está nos preços dos alimentos e nos produtos derivados. Quando a exportação aumenta, o país recebe mais divisas, o que ajuda a equilibrar a balança comercial e, indiretamente, pode reduzir a pressão inflacionária.
Além disso, a maior produção de óleo de amendoim (com 90 % das exportações puxadas pela China) abre espaço para que o óleo seja mais barato no mercado interno, beneficiando a indústria de alimentos e até a gente que cozinha em casa.
Desafios e riscos
Nem tudo são flores. Dependência excessiva de um único mercado pode ser perigosa. Se a China mudar de estratégia ou enfrentar sua própria crise econômica, o Brasil pode sentir uma queda abrupta nas exportações. Outro ponto crítico é a questão ambiental: o aumento da produção de soja tem sido associado ao desmatamento, especialmente na Amazônia e no Cerrado.
Por isso, é fundamental que o crescimento seja acompanhado de políticas de sustentabilidade, como o Amazon Soy Moratorium e incentivos à agricultura de baixa emissão.
O que vem por aí? Sorgo na mira chinesa
Olhando para o futuro, a China mostrou interesse no sorgo, um cereal que ainda não era exportado em grande escala pelo Brasil. Em 2026, espera‑se o início das exportações brasileiras desse grão, que pode ser usado como ração animal, ingrediente alimentício e até na produção de bebidas.
O motivo? A China reduziu em 90 % a compra de sorgo dos EUA, criando uma oportunidade para o Brasil preencher o vazio. Se tudo correr bem, o sorgo pode se tornar um novo pilar da nossa pauta de exportação agrícola.
Como você pode se beneficiar?
Mesmo que você não esteja plantando soja ou amendoim, há algumas formas de aproveitar esse cenário:
- Investimentos: fundos de agronegócio e ações de empresas ligadas à cadeia de soja (como transportadoras e processadoras) tendem a se valorizar.
- Consumo consciente: opte por produtos que tenham selo de sustentabilidade, ajudando a pressionar o setor a adotar práticas menos agressivas ao meio ambiente.
- Empreendedorismo: com a demanda por óleo de amendoim em alta, há espaço para pequenos negócios de produção de alimentos artesanais ou de cosméticos naturais.
Conclusão
O recorde de exportação de soja e amendoim para a China não é apenas um número de bragging rights para o agronegócio brasileiro. É um reflexo de como as tensões globais podem abrir portas para quem tem capacidade de produção e preço competitivo. Para nós, consumidores, isso pode significar preços mais estáveis e mais opções no mercado. Para o país, traz receita, mas também a responsabilidade de crescer de forma sustentável.
Ficar de olho nas próximas movimentações – como a entrada do sorgo no mercado chinês – pode ser a chave para entender onde estarão as oportunidades nos próximos anos. E, claro, acompanhar as políticas ambientais será essencial para garantir que esse crescimento não venha às custas da nossa biodiversidade.
Então, da próxima vez que você abrir um pacote de óleo de cozinha ou comer um petisco de amendoim, lembre‑se: há uma cadeia inteira de produtores, caminhoneiros e negociantes que, graças a uma guerra comercial distante, está ajudando a manter a mesa brasileira cheia.




