Quando o IBGE divulgou os números do Censo 2022, a primeira coisa que me chamou a atenção foi o dado sobre as vias nas favelas. Em 2022, 19% dos moradores desses territórios – isso dá cerca de 3,1 milhões de pessoas – viviam em ruas onde veículos de grande porte simplesmente não conseguem passar. Eles dependiam exclusivamente de caminhadas, bicicletas ou motos para se deslocar. Fora das favelas, esse número cai para 1,4%.
Por que esse número importa?
Não é só uma curiosidade estatística. A limitação de acesso tem consequências diretas no dia a dia das pessoas: coleta de lixo, atendimento de ambulâncias, transporte coletivo e até a simples chegada de um visitante. Como explica Letícia Giannella, gerente de Favelas e Comunidades Urbanas do IBGE, “o impedimento de passagem de caminhões impede uma coleta de direto no domicílio”. Imagine a frustração de quem precisa de um serviço de saúde urgente e tem que esperar a ambulância encontrar um caminho que nem sempre existe.
O panorama geral das vias nas favelas
Além da questão do tamanho dos veículos, o Censo trouxe outros indicadores que ajudam a entender a realidade urbana desses bairros:
- Capacidade para veículos de grande porte: 62% dos moradores de favelas têm acesso a ruas que recebem ônibus e caminhões, contra 93% fora das favelas.
- Calçadas ou passeios: apenas 54% das casas em favelas contam com calçada, enquanto o número sobe para 89% nas demais áreas.
- Infraestrutura de bicicleta: menos de 1% tem sinalização ou ciclovia nas vias.
- Pontos de ônibus ou van: 5% nas favelas, comparado a 12% fora delas.
- Pavimentação: 78,3% das vias nas favelas são pavimentadas, contra 91,8% nas outras áreas.
- Arborização: apenas 35,4% das ruas são arborizadas, enquanto nas demais áreas esse número chega a 69%.
- Iluminação pública: 91,1% das vias nas favelas têm iluminação, abaixo dos 98,5% nas demais regiões.
- Bueiros e bocas de lobo: menos da metade (45,4%) tem esse equipamento, o que aumenta o risco de alagamentos.
Como isso afeta a mobilidade das pessoas?
Para quem mora em uma rua estreita, sem calçada e sem sinalização para bicicletas, cada deslocamento vira um pequeno desafio. Um idoso que precisa ir ao posto de saúde pode ter que percorrer dezenas de metros em calçadas irregulares, enfrentar buracos ou até mesmo subir ladeiras sem rampas. O mesmo vale para quem depende de transporte coletivo: se o ponto de ônibus está a 300 metros de distância, a caminhada pode ser um obstáculo, principalmente em dias de chuva.
Filipe Borsani, chefe do Setor de Pesquisas Territoriais do IBGE, destaca que “quando combinamos esse dado com a presença de obstáculos nas calçadas, surgem problemas graves de acessibilidade, especialmente para idosos e pessoas com mobilidade reduzida”. E não é só questão de conforto – a falta de acesso rápido pode significar a diferença entre receber tratamento médico a tempo ou não.
O que pode ser feito?
Os números do Censo são, antes de tudo, um convite para políticas públicas mais assertivas. Algumas ideias que já circulam entre planejadores urbanos e movimentos sociais incluem:
- Requalificação de vias estreitas: ampliar calçadas, remover obstáculos e criar rampas de acesso para cadeirantes.
- Implementação de ciclovias e sinalização: mesmo em áreas onde o espaço é limitado, faixas temporárias ou sinalização de uso compartilhado podem melhorar a segurança.
- Melhoria da coleta de lixo: usar veículos menores ou sistemas de coleta porta a porta nas ruas onde caminhões não chegam.
- Ampliação de pontos de ônibus e vans: criar micro‑pontos de parada ou serviços de transporte sob demanda que cheguem mais perto das residências.
- Investimento em iluminação e drenagem: garantir que as ruas tenham iluminação adequada e bueiros funcionais para evitar alagamentos.
Essas medidas exigem vontade política e, sobretudo, participação da comunidade. Quando os próprios moradores são ouvidos, as soluções tendem a ser mais adequadas ao contexto local.
Um panorama nacional
O Censo apontou que o Brasil tinha 12.348 favelas e comunidades urbanas em 2022, somando mais de 16 milhões de moradores – o que corresponde a 8% da população total. Esses territórios estão espalhados por 656 municípios, ou seja, 11% de todas as cidades brasileiras. Não é um problema isolado de uma região ou de um estado; é uma questão que atravessa o país inteiro.
Mesmo que os números pareçam assustadores, eles também revelam onde estão as maiores lacunas. Por exemplo, a diferença de arborização (35,4% vs 69%) mostra que as áreas de favelas recebem menos investimento em espaços verdes, que são fundamentais para a qualidade de vida e para o combate às ilhas de calor urbano.
O que isso significa para você?
Se você mora em uma área urbana, mesmo que não seja uma favela, vale a pena observar como a infraestrutura ao seu redor se compara. A falta de calçadas adequadas, iluminação ou pontos de ônibus pode ser mais comum do que imaginamos, e a pressão por melhorias pode vir de qualquer cidadão consciente.
Para quem tem amigos, familiares ou colegas que vivem em favelas, esses dados ajudam a entender as dificuldades diárias que eles enfrentam. Um simples telefonema para saber se a pessoa tem acesso a um ponto de ônibus próximo ou se a rua tem iluminação pode abrir espaço para conversas sobre como melhorar a situação.
Olhar para o futuro
O próximo Censo, previsto para 2030, será ainda mais detalhado graças às tecnologias digitais que estão sendo incorporadas ao processo. Isso pode significar dados mais precisos e, quem sabe, uma base ainda mais forte para políticas públicas.
Enquanto isso, a discussão sobre mobilidade urbana nas favelas deve continuar nos meios de comunicação, nas universidades e, principalmente, nas assembleias comunitárias. Cada rua que ganha uma calçada, cada ponto de ônibus que chega mais perto, é um passo rumo a uma cidade mais justa.
Se você se interessou por esse assunto, vale a pena acompanhar as próximas publicações do IBGE, participar de grupos de bairro e, se possível, se envolver em projetos de urbanismo participativo. A mudança começa com a informação e, como vimos, os números do Censo são uma ferramenta poderosa para iluminar onde ainda falta infraestrutura.
E aí, o que você acha? Como podemos, enquanto sociedade, pressionar por ruas mais acessíveis e seguras para todos?




