Se você já ouviu falar de crédito consignado, provavelmente a primeira imagem que vem à mente é a de um empréstimo “seguro”, com parcelas que são descontadas direto do salário ou da aposentadoria. A promessa é simples: acesso rápido ao dinheiro, juros menores que os de um cheque especial e, ainda por cima, a garantia de que a dívida será paga porque o pagamento vem direto da fonte de renda.
Mas, como tudo na vida, a realidade pode ser bem diferente. Recentemente, o subprocurador‑geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, enviou um pedido à Corte para que sejam apuradas possíveis irregularidades na criação e regulamentação do crédito consignado, sobretudo na modalidade de cartão de crédito consignado. O que começou como ferramenta de inclusão financeira pode estar se transformando em um mecanismo que perpetua o endividamento das famílias mais vulneráveis.
Como funciona o crédito consignado?
- Desconto automático: as parcelas são retiradas diretamente do contracheque ou benefício do INSS.
- Juros menores: por ter a garantia do pagamento, as instituições financeiras costumam cobrar taxas inferiores às de empréstimos pessoais.
- Facilidade de contratação: a burocracia costuma ser reduzida, o que atrai quem precisa de dinheiro rápido.
Essas características, à primeira vista, parecem vantajosas. No entanto, a prática tem revelado um lado obscuro que merece atenção.
O que o MP está questionando?
Lucas Furtado argumenta que o crédito consignado, especialmente na forma de cartão de crédito consignado, está comprometendo “parcela substancial da renda das famílias”, agravando desigualdades sociais e transformando direitos sociais em ativos financeiros. Em outras palavras, o que deveria ser um apoio financeiro pode estar drenando a renda de quem mais precisa.
O subprocurador aponta ainda que o Estado, ao garantir o funcionamento desse sistema, teria facilitado uma lógica perversa: interesses privados (bancos, financeiras) se sobrepõem ao bem‑estar coletivo. Ele também solicita que o TCU avalie a responsabilidade do INSS e de seus gestores na edição de normas que, segundo ele, extrapolam a competência do órgão e permitem práticas abusivas.
Por que isso importa para você?
Se você, seu familiar ou alguém que você conhece recebe benefício do INSS ou tem um salário que já está comprometido com outras despesas, é bem provável que já tenha sido abordado por instituições oferecendo o tal cartão de crédito consignado. A oferta costuma vir com a promessa de “crédito fácil” e “taxas baixas”. Mas, na prática, o limite de crédito pode ser alto demais e as taxas, embora menores que as de um empréstimo tradicional, ainda assim geram um custo significativo quando a dívida se prolonga.
Imagine que a sua aposentadoria seja de R$ 2.000. Se o banco autoriza um cartão consignado com limite de R$ 5.000 e você começa a usar esse dinheiro para pagar contas atrasadas, comprar eletrodomésticos ou até mesmo fazer uma viagem, as parcelas mensais podem facilmente consumir 30% ou mais da sua renda. Quando isso acontece, o que antes era um “auxílio” vira um peso que impede a compra de itens essenciais, como medicamentos ou alimentação.
Os sinais de alerta do superendividamento
Alguns indícios de que o crédito consignado está se tornando uma armadilha são:
- Uso recorrente do limite, sem pagamento total da fatura.
- Parcelas que aumentam a cada mês, mesmo que você não tenha feito novas compras.
- Desconto de valores que ultrapassam 30% da sua renda líquida.
- Sentimento de “não ter saída” para renegociar a dívida.
Se algum desses pontos soa familiar, pode ser hora de rever a sua situação e buscar alternativas.
O que pode mudar com a investigação do TCU?
Uma apuração rigorosa pode resultar em diversas mudanças, como:
- Revisão das normas do INSS: limites mais baixos de comprometimento de renda, maior transparência nas condições do empréstimo.
- Fiscalização mais forte das instituições financeiras: exigência de clareza nas taxas, proibição de práticas de “venda casada” e de oferta de limites que superem a capacidade de pagamento.
- Criação de mecanismos de proteção ao consumidor: canais de denúncia mais acessíveis, orientação financeira para beneficiários do INSS.
Essas mudanças não só ajudariam a reduzir o superendividamento, mas também poderiam restaurar a confiança da população nas políticas públicas de apoio financeiro.
Como se proteger enquanto a investigação corre
- Leia o contrato com atenção: verifique a taxa de juros, o CET (Custo Efetivo Total) e o prazo de pagamento.
- Calcule o impacto no seu orçamento: use planilhas ou aplicativos para simular o desconto das parcelas e veja se ainda resta dinheiro para despesas essenciais.
- Evite usar o limite total de forma recorrente: se precisar de dinheiro, procure alternativas como empréstimos com garantia ou renegociação de dívidas existentes.
- Procure orientação: centros de assistência social, defensores públicos ou ONG’s de defesa do consumidor podem oferecer aconselhamento gratuito.
- Denuncie práticas abusivas: caso identifique cláusulas que pareçam enganosas ou cobranças indevidas, registre reclamação no PROCON ou na ouvidoria do banco.
Essas atitudes simples podem fazer a diferença entre manter o controle da sua vida financeira e entrar em um ciclo de dívida que parece não ter fim.
Um olhar para o futuro
Se a investigação do TCU confirmar irregularidades, podemos esperar um cenário onde o crédito consignado será usado com muito mais cautela. A ideia não é acabar com o acesso ao crédito – ele é fundamental para quem precisa de um impulso financeiro – mas garantir que esse recurso não se torne um “caminho sem volta”.
Além disso, a discussão traz à tona a necessidade de políticas públicas mais amplas de inclusão financeira, que considerem não apenas o acesso ao crédito, mas também a educação financeira. Quando as pessoas compreendem como funcionam juros, prazos e o impacto de um empréstimo no orçamento familiar, elas ficam mais preparadas para tomar decisões conscientes.
Em resumo, o que começou como uma ferramenta de apoio pode estar se transformando em um fardo para quem mais precisa. O pedido do Ministério Público ao TCU é um alerta de que precisamos rever as regras do jogo, proteger os mais vulneráveis e garantir que o Estado realmente cumpra seu papel de guardião do bem‑estar coletivo.
E você, já teve alguma experiência com crédito consignado? Como foi? Compartilhe nos comentários – a troca de histórias pode ser o primeiro passo para evitarmos armadilhas financeiras juntos.




