Imagine a gente tomando um café, batendo um papo sobre como um simples ovo pode virar protagonista de uma história que envolve política, economia e até uma crise de saúde animal nos Estados Unidos. Parece exagero? Não muito. O que começou como um “tarifaço” imposto pelo governo dos EUA acabou mudando a forma como o Brasil exporta um dos alimentos mais básicos da nossa mesa.
O que foi o tarifaço de 50%?
Em agosto de 2024, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu aplicar uma sobretaxa de 50% sobre vários produtos agropecuários brasileiros – café, carne, uva, mel e, surpreendentemente, ovos. A medida foi anunciada como uma forma de proteger os produtores americanos de supostos prejuízos causados por importações baratas. Na prática, a taxa elevou o preço dos produtos brasileiros no mercado norte‑americano, tornando-os menos competitivos.
Mas, enquanto o café e a carne viram seus números de exportação despencarem, o ovo teve um caminho diferente nos primeiros meses de 2025. Por quê? Porque os EUA estavam passando por uma crise de produção de ovos causada por um surto de gripe aviária que começou em 2022 e se agravou nos últimos anos.
Crise do ovo nos EUA: o cenário que abriu portas para o Brasil
Até o início de 2025, o consumo per capita de ovos nos Estados Unidos era de cerca de 284 unidades por ano – o que dá mais de 250 milhões de ovos por dia. Quando o vírus da gripe aviária começou a atacar granjas americanas, o Departamento de Agricultura (USDA) impôs regras rígidas: ao detectar uma galinha infectada, todas as aves ao redor eram sacrificadas. O resultado? Uma queda brusca na produção, falta de ovos nas prateleiras e, em alguns supermercados, até limite de compra por cliente.
Para ilustrar, em fevereiro de 2025 alguns supermercados chegaram a ficar sem ovos nas gôndolas, e houve até um roubo de 100 mil ovos em um trailer na Pensilvânia – um crime que movimentou cerca de US$ 40 mil. A escassez fez o preço da dúzia subir para US$ 6,22 (cerca de R$ 33) em março, segundo o Bureau of Labor Statistics (BLS). Esse pico de preços gerou uma demanda inesperada pelos ovos importados.
Como o Brasil entrou na jogada
Com a produção americana em baixa, os compradores norte‑americanos começaram a olhar para o Brasil como fornecedor alternativo. Em janeiro de 2025, os EUA importaram 220 toneladas de ovos brasileiros. Até junho, esse número saltou para mais de 5.000 toneladas – um crescimento impressionante, que representou um aumento de mais de 1.000% nas exportações de ovos para o país quando comparado ao mesmo período de 2024.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) projetou que, se a tendência se mantiver, o Brasil pode fechar 2025 com um crescimento de 116,6% nas exportações de ovos, ultrapassando 1% da produção nacional. Isso significa que, pela primeira vez, a exportação de ovos representará mais de um centésimo da produção total do país.
Mas o tarifaço chegou…
Quando a taxa de 50% entrou em vigor, em agosto, as exportações começaram a cair de forma abrupta. Em outubro, apenas 41 toneladas foram enviadas para os EUA – quase zero comparado ao pico de junho. A regra americana também mudou: até janeiro de 2025, o ovo brasileiro só podia ser usado como ração animal. Depois, passou a ser permitido como ingrediente em alimentos processados – como misturas para bolo ou sorvete – mas ainda proibido de ser vendido in natura nos supermercados.
Essas restrições, somadas ao aumento de custos causado pela tarifa, fizeram com que os importadores americanos reduzissem drasticamente seus pedidos. O que antes era uma oportunidade de ouro virou um mercado volátil, sujeito a decisões políticas que mudam de um mês para o outro.
Impactos no Brasil: o que isso significa para o produtor e para o consumidor?
Para o produtor de ovos brasileiro, a história tem dois lados. Por um, a alta demanda dos EUA gerou um aumento de preços internos, já que parte da produção foi direcionada ao mercado externo. Por outro, a instabilidade da política tarifária mostrou o risco de depender de um único comprador.
Vamos dividir os efeitos em três categorias:
- Renda dos produtores: Durante o pico, muitos criadores viram um acréscimo de até 30% na receita, graças ao preço mais alto pago pelos compradores americanos.
- Preço ao consumidor brasileiro: O aumento da exportação pode ter contribuído para elevações pontuais nos preços dos ovos nas prateleiras, especialmente em estados como o Espírito Santo, que registrou um dos maiores aumentos de preço no país.
- Risco de dependência: Quando a taxa entrou, as exportações despencaram, deixando produtores que haviam investido em capacidade extra com excesso de oferta e preços mais baixos no mercado interno.
Espírito Santo: um case de aumento de preço
O estado do Espírito Santo, que tem uma produção significativa de ovos, viu os preços ao consumidor subirem de forma notável. Em alguns supermercados, o preço da dúzia chegou a R$ 60 – quase o dobro do valor médio nacional. Esse aumento reflete a combinação de demanda externa, custos de produção e a taxa de tarifa que encareceu a exportação.
Para quem mora no ES, a situação trouxe uma reflexão: até que ponto a exportação pode ser benéfica se, ao mesmo tempo, eleva o custo de um alimento básico no dia a dia? É um dilema que toca tanto produtores quanto consumidores.
Outros mercados: Japão e Chile
Além dos EUA, o Brasil também tem buscado diversificar seus destinos de exportação de ovos. O Japão, por exemplo, aumentou suas compras em 230% de 2024 para 2025, mostrando interesse em produtos de alta qualidade. Já o Chile, que era o terceiro maior comprador, reduziu suas importações em 41% no mesmo período.
Essas variações ressaltam a importância de uma estratégia de exportação mais ampla, que não dependa exclusivamente dos EUA. O presidente da ABPA, Ricardo Santin, fala em “cultura exportadora” de ovos, indicando que o Brasil está tentando se posicionar como fornecedor confiável para diferentes mercados.
Projeções de produção: números que impressionam
Segundo a ABPA, a produção brasileira de ovos deve fechar 2025 em torno de 62,25 bilhões de unidades, com possibilidade de chegar a 66 bilhões em 2026. Isso equivale a cerca de 287 ovos por habitante no Brasil – número que pode subir para 307 em 2026.
Esses números são impressionantes quando comparados ao consumo per capita nos EUA (284 ovos por ano). Eles mostram que o Brasil tem capacidade de suprir não só o mercado interno, mas também atender demandas externas, caso consiga diversificar seus destinos e reduzir a vulnerabilidade a políticas tarifárias.
O que podemos aprender com tudo isso?
Para quem acompanha de perto o agronegócio, a história dos ovos brasileiros nos EUA oferece algumas lições valiosas:
- Política tarifária pode mudar o jogo da noite para o dia: Uma decisão política, como a de Trump, pode transformar um mercado promissor em um pesadelo de custos.
- Dependência de um único comprador é arriscada: Diversificar destinos reduz o impacto de mudanças repentinas nas regras de importação.
- Crises sanitárias têm efeito dominó: O surto de gripe aviária nos EUA mostrou como uma questão de saúde animal pode influenciar preços e demanda em todo o mundo.
- O consumidor final sente o efeito: A alta nos preços dos ovos no Brasil, especialmente em estados como Espírito Santo, demonstra que a exportação tem repercussão direta no bolso do cidadão.
Como o consumidor pode se adaptar?
Se você está preocupado com o preço dos ovos na sua cesta de compras, aqui vão algumas dicas práticas:
- Compre em maior quantidade quando houver promoção: Muitos supermercados oferecem descontos para embalagens de 12 ou 30 ovos.
- Use substitutos em receitas: Em bolos e sobremesas, a clara de ovo pode ser substituída por purê de maçã ou iogurte, reduzindo a necessidade de ovos.
- Explore ovos de granjas locais: Em algumas regiões, produtores menores vendem ovos frescos a preços mais competitivos, sem a carga de exportação.
- Acompanhe notícias do agronegócio: Saber quando há alta ou baixa na produção pode ajudar a planejar suas compras.
Perspectivas para o futuro
O que esperar nos próximos anos? A resposta depende de três fatores principais:
- Política comercial dos EUA: Se o próximo governo americano rever ou eliminar o tarifaço, as exportações de ovos brasileiros podem voltar a crescer rapidamente.
- Controle da gripe aviária: Caso o vírus seja contido nos Estados Unidos, a produção local pode se recuperar, reduzindo a demanda por importação.
- Estratégias de diversificação do Brasil: Investimentos em novos mercados (Ásia, Europa) e em certificações de qualidade podem abrir portas e diminuir a dependência dos EUA.
Enquanto isso, o produtor brasileiro tem a oportunidade de se adaptar, investindo em tecnologia para melhorar a eficiência da produção, reduzindo custos e tornando o ovo brasileiro ainda mais competitivo.
Conclusão: um ovo, muitas histórias
O que começou como uma simples tarifa de 50% acabou revelando a complexidade da cadeia produtiva de um alimento tão simples quanto o ovo. Desde a crise sanitária nos Estados Unidos, passando pela alta nos preços internos do Brasil, até a necessidade de diversificar mercados, a trajetória dos ovos brasileiros nos últimos meses mostra como a economia global está interconectada.
Se você ainda não percebeu, o próximo ovo que você vai comprar pode ter passado por uma jornada que inclui aviários brasileiros, aviões, políticas tarifárias americanas e até um surto de gripe aviária que quase paralizou a produção nos EUA. E tudo isso reflete diretamente no preço que você paga na prateleira.
Então, da próxima vez que abrir a geladeira e pegar uma dúzia, lembre‑se: há muito mais por trás daquela casca branca do que parece. E, quem sabe, ao conversar com amigos sobre a alta dos ovos, você já pode explicar toda essa história de forma clara, como se estivéssemos tomando um café juntos.
Até a próxima, e boa escolha de ovos!




