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Tarifaço, déficit e oportunidades: o que a queda de 28% nas exportações ao EUA significa para o Brasil

Tarifaço, déficit e oportunidades: o que a queda de 28% nas exportações ao EUA significa para o Brasil

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Um café, um corte de carne e um papo de balcão

Na última quinta‑feira (4), o Ministério do Desenvolvimento me enviou um número que parece mais um diagnóstico médico do que um relatório econômico: o Brasil registrou déficit nas transações comerciais com os Estados Unidos em novembro. Não é a primeira vez – são 11 meses seguidos de saldo negativo – mas o que chama a atenção é a queda de 28,1% nas exportações em relação ao mesmo período de 2023, mesmo depois da suspensão da chamada “tarifaço” de 40% sobre café, carnes, frutas e outros produtos.

Eu estava tomando um café (sim, o mesmo que acabou de ter a tarifa cortada) e pensei: será que esse número vai mudar a forma como a gente compra, vende e pensa sobre o comércio internacional? Então, sentei aqui, peguei o bloco de notas e resolvi destrinchar tudo, como se a gente estivesse batendo um papo de boa na cozinha da casa da avó.

Primeiro, o que realmente aconteceu?

– **Exportações para os EUA:** US$ 2,66 bi, queda de 28,1% em relação a novembro de 2023.
– **Importações dos EUA:** US$ 3,83 bi, alta de 24,5% no mesmo comparativo.
– **Saldo comercial:** déficit de US$ 1,17 bi no mês.
– **Acumulado Jan‑Nov 2024:** déficit de US$ 7,94 bi, mais de 950% maior que o mesmo período de 2023 (US$ 750 mi).

Esses números, por si só, já dão um panorama preocupante. Mas para entender o que está por trás deles, precisamos voltar um pouco no tempo e analisar o contexto da chamada tarifaço.

Por que o “tarifaço” importa tanto?

Em 2022, o ex‑presidente Donald Trump (na época ainda presidente dos EUA) decidiu impor uma sobretaxa de 40% sobre uma lista de produtos brasileiros – principalmente café, carne bovina, suco de laranja, frutas e alguns itens de mineração. A medida foi justificada como uma forma de proteger a produção americana e, politicamente, como retaliação a políticas comerciais brasileiras.

A reação no Brasil foi imediata: exportadores entraram em pânico, cadeias de suprimento foram reconfiguradas e o governo começou a negociar a retirada da taxa. Só em 20 de outubro de 2024 a taxa foi parcialmente suspensa – mas apenas para alguns produtos, e ainda com um período de transição.

Então, por que, mesmo com a redução da tarifa, as exportações caíram? A resposta não está só na taxa em si, mas em como o mercado reage a mudanças de política comercial.

Analisando os números: o que a queda de 28% realmente representa?

1. **Volume versus valor** – A queda de 28% pode refletir menos toneladas exportadas, mas também preços mais baixos no mercado internacional. Por exemplo, o preço do café na bolsa pode ter caído, reduzindo o valor total das exportações.
2. **Efeito de timing** – A suspensão da tarifa foi anunciada apenas em 20 de outubro. Muitos contratos já estavam firmados para novembro, e as empresas ainda precisavam de tempo para ajustar suas rotas, renegociar preços e buscar novos compradores.
3. **Concorrência americana** – Enquanto o Brasil ainda lidava com a mudança, os produtores dos EUA aproveitaram a oportunidade para ganhar market share, sobretudo em produtos como carne bovina, que tem alta demanda nos mercados europeu e asiático.
4. **Diversificação de destinos** – Os números mostram que, apesar da queda nas vendas para os EUA, o Brasil aumentou exportações para China (+41%), Mercosul (+4,7%) e Japão (+10,1%). Isso indica que os exportadores já estavam buscando novos mercados para compensar a vulnerabilidade ao parceiro americano.

O que isso significa para as cadeias produtivas brasileiras?

– **Café**: O Brasil ainda responde por cerca de 30% do café mundial. Mesmo com a taxa suspensa, produtores precisam lidar com a volatilidade dos preços internacionais. Pequenos produtores podem sentir o impacto mais forte, pois dependem de margens estreitas.
– **Carnes**: A carne bovina brasileira tem alta penetração nos EUA, mas a concorrência de carne americana (especialmente de cortes premium) pode reduzir a demanda. Faz sentido que frigoríficos estejam reavaliando contratos de longo prazo.
– **Frutas e sucos**: Produtos como suco de laranja e manga têm um nicho nos EUA, mas a logística (tempo de transporte, custos de frete) pode tornar a oferta brasileira menos competitiva quando a taxa é removida tardiamente.

Para os agricultores, a mensagem é clara: diversificar mercados e investir em certificações de qualidade (orgânico, comércio justo) pode ser a saída para reduzir a dependência de um único comprador.

O papel dos EUA no comércio brasileiro: mais que um parceiro, um termômetro

Os Estados Unidos são o segundo maior destino das exportações brasileiras, atrás apenas da China. Essa relação tem sido historicamente marcada por altos e baixos:

– **Desde 2009**, o Brasil tem registrado déficits comerciais consecutivos com os EUA. Em 16 anos, as importações americanas superaram as exportações brasileiras em US$ 88,61 bi.
– **Setores mais afetados**: tecnologia, máquinas e equipamentos, além de bens de consumo duráveis. Por outro lado, commodities como soja, minério de ferro e petróleo continuam sendo os pilares das exportações brasileiras, mas são mais direcionados à China.
– **Política externa**: mudanças de governo nos EUA (Obama → Trump → Biden) trazem diferentes abordagens tarifárias. O recente ajuste de Trump foi uma exceção agressiva, mas não indica que o futuro será sempre estável.

Em resumo, depender demais dos EUA pode ser arriscado, e o Brasil tem buscado equilibrar a balança comercial ampliando a presença na Ásia e no Mercosul.

Estrategias para mitigar o déficit com os EUA

Se você fosse o ministro da Economia, quais medidas tomaria? Aqui vão algumas ideias que podem ser úteis tanto para o governo quanto para empresas:

  • Incentivo à diversificação de mercados: programas de apoio à exportação para países emergentes (Índia, Vietnã, México) podem abrir novas portas.
  • Melhoria da logística interna: reduzir custos portuários, investir em ferrovias e em terminais secos ajuda a tornar o preço final mais competitivo.
  • Política de crédito à exportação: linhas de financiamento com juros baixos para produtores que queiram abrir novos mercados.
  • Parcerias público‑privadas para desenvolver cadeias de valor de alto valor agregado (café especial, carne premium, frutas orgânicas).
  • Negociação de acordos bilaterais que incluam cláusulas de redução tarifária progressiva, evitando surpresas como a do “tarifaço”.

Essas ações não resolvem o déficit da noite para o dia, mas criam um ambiente mais resiliente.

O que os números da balança comercial total nos dizem?

Mesmo com o déficit com os EUA, o Brasil ainda registrou superávit de US$ 5,84 bi em novembro quando consideramos todas as transações com o resto do mundo. Ainda assim, o saldo positivo caiu 13,4% em relação a novembro de 2023, o pior resultado para esse mês desde 2021.

Alguns pontos de atenção:

– **Exportações totais**: US$ 28,5 bi, alta de 2,4% na média diária. Isso indica que, apesar da queda para os EUA, o volume geral de exportação está crescendo, impulsionado por China, Mercosul e Japão.
– **Importações totais**: US$ 22,7 bi, alta de 7,4% na média diária. O aumento das importações pode refletir maior consumo interno de bens de capital (máquinas, equipamentos) e produtos de consumo (eletrônicos, veículos).
– **Acumulado 2024**: superávit de US$ 57,84 bi nos primeiros 11 meses, mas com queda de 16,1% frente ao mesmo período de 2023. Ou seja, a tendência ainda é positiva, porém desacelerando.

Esses números mostram que o Brasil tem capacidade de gerar superávit, mas a concentração de exportações em poucos parceiros (principalmente a China) pode tornar a balança vulnerável a choques externos.

O futuro: o que esperar nos próximos meses?

1. **Possível nova negociação tarifária** – Se a administração americana mudar a postura (por exemplo, com a eleição de um presidente mais protecionista), novas barreiras podem surgir. Empresas precisam estar preparadas para ajustar rapidamente suas rotas.
2. **Aumento da competitividade interna** – Investimentos em tecnologia agrícola (agtech), automação de processos e certificações de qualidade podem melhorar a margem de lucro dos exportadores.
3. **Crescimento da demanda chinesa** – A China continua sendo o maior comprador de commodities brasileiras. Se a demanda chinesa se mantiver forte, o déficit com os EUA pode ser compensado por superávits ainda maiores com a Ásia.
4. **Política de estímulo ao consumo interno** – Um Brasil que consome mais produtos nacionais pode reduzir a necessidade de importações, melhorando o saldo comercial.

Conclusão: mais do que números, uma lição de resiliência

A queda de 28% nas exportações para os EUA em novembro, mesmo com a redução da tarifaço, nos lembra que o comércio internacional é uma teia complexa de políticas, preços, logística e timing. Não basta esperar que a remoção de um imposto resolva tudo; é preciso ter estratégias de longo prazo, diversificar mercados e investir em qualidade.

Para quem vive de exportação, a mensagem é clara: fique de olho nas mudanças regulatórias, mas não dependa de um único comprador. Para o cidadão comum, entender esses números ajuda a perceber por que certos produtos podem ficar mais caros ou mais baratos nas prateleiras.

No fim das contas, o Brasil tem mostrado capacidade de gerar superávits e de se adaptar a choques externos. Cabe ao governo, às empresas e a nós, como consumidores, apoiar políticas que fortaleçam a competitividade e a diversificação. E, claro, continuar tomando aquele café (agora sem tarifa) enquanto acompanhamos os próximos capítulos dessa história econômica.

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