Na última terça‑feira, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado deu sinal verde a um projeto que pode mudar a forma como pagamos impostos sobre apostas online e serviços financeiros digitais. O texto, aprovado por 21 votos a 1, eleva a alíquota sobre a receita das casas de apostas de 12% para 18% e aumenta a carga tributária sobre as fintechs. Parece papo de burocrata, mas a decisão tem reflexos bem reais na nossa vida cotidiana – seja na hora de colocar dinheiro numa aposta de futebol, seja ao usar um aplicativo de pagamento que prometia ser mais barato que o banco tradicional.
Um panorama rápido: como chegamos aqui?
Para entender o motivo da discussão, vale lembrar que o Brasil tem se tornado um dos maiores mercados de apostas do mundo. Segundo levantamento recente, somos o quinto maior em volume de apostas online. Essa explosão tem duas causas principais: a popularização dos smartphones e a liberalização parcial que permite que operadoras estrangeiras ofereçam seus serviços aqui, ainda que sem uma regulamentação completa.
Ao mesmo tempo, as fintechs – startups que entregam serviços bancários via tecnologia – ganharam força nos últimos cinco anos. Elas prometem contas sem tarifas, empréstimos rápidos e pagamentos instantâneos. O governo, por sua vez, tem buscado maneiras de equilibrar as contas públicas, que ainda sofrem com déficits estruturais. A ideia de aumentar a tributação sobre setores que cresceram rapidamente parece, à primeira vista, uma solução simples.
O que exatamente muda?
- Bets (casas de apostas online): a alíquota total de tributos sobre a receita das empresas sobe de 12% para 18%. O aumento será gradual – 12% até 2025, 15% em 2026‑2027 e 18% a partir de 2028.
- Fintechs: a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) passa de 9% para 15% (12% em 2027, 15% em 2028). Bancos tradicionais continuam pagando 20%.
- Juros sobre Capital Próprio (JCP): o IR retido na fonte sobe de 15% para 17,5%.
- Regularização para quem ganha até R$ 7.350 mensais: programa de parcelamento especial para dívidas com a Receita e a PGFN.
Além disso, o projeto cria mecanismos para combater casas de apostas irregulares – com rito acelerado para derrubá‑las e multas para instituições financeiras que não colaborarem no monitoramento.
Por que a proposta original foi recuada?
Quando o relator, senador Eduardo Braga, apresentou a versão inicial, a alíquota das bets subiria de 12% para 24%. A ideia era dobrar a carga tributária de forma abrupta. No entanto, depois de ouvir o setor e perceber que tal salto poderia levar empresas a fechar ou migrar para jurisdições menos onerosas, Braga recuou. O texto final, portanto, busca um equilíbrio: ainda aumenta a arrecadação, mas de forma mais gradual.
Qual o tamanho da arrecadação esperada?
Os senadores que apresentaram o projeto estimam que a medida pode gerar quase R$ 5 bilhões em receitas adicionais no próximo ano, embora o número exato ainda não tenha sido atualizado após as modificações. A parte mais expressiva deve vir das bets, que se espera que contribuam com cerca de R$ 1,6 bilhão, enquanto a elevação da CSLL nas fintechs adicionaria mais R$ 1,6 bilhão.
O que isso significa para quem aposta?
Se você costuma colocar uma grana em apostas de futebol, corridas ou jogos de cassino, pode notar duas mudanças práticas:
- Preços mais altos: as casas de apostas tendem a repassar a carga tributária maior para o consumidor, seja aumentando o spread (a diferença entre as odds oferecidas) ou reduzindo promoções.
- Mais segurança: o projeto inclui regras para combater operadores ilegais. Isso pode significar menos fraudes, mas também menos opções “baratas” que operam à margem da lei.
Em termos simples, o que antes custava R$ 100 em apostas pode passar a custar entre R$ 102 e R$ 105, dependendo da estratégia da empresa. Não parece muito, mas quando o valor da aposta é alto ou quando o jogador faz várias apostas ao longo do mês, a diferença se acumula.
E para quem usa fintechs?
Se você já abriu conta em um banco digital, fez um empréstimo rápido via app ou usa um serviço de pagamento instantâneo, a mudança pode ser menos perceptível no dia a dia. A maioria das fintechs repassa custos de forma indireta – por exemplo, ajustando taxas de juros ou reduzindo limites de crédito. Ainda assim, a elevação da CSLL pode pressionar as margens de lucro, levando a:
- Taxas de serviços ligeiramente maiores: algumas fintechs podem começar a cobrar tarifas que antes eram gratuitas, como transferências internacionais ou saque em caixas eletrônicos.
- Revisão de produtos de crédito: juros de empréstimos podem subir um ponto percentual ou dois, já que o custo de captação de recursos aumenta.
É importante notar que bancos tradicionais já pagam a alíquota mais alta (20%). Portanto, a diferença entre bancos e fintechs pode diminuir, reduzindo a vantagem competitiva que as startups tinham em termos de carga tributária.
Impactos nos municípios e nos estados
Um ponto que costuma passar despercebido nas discussões sobre impostos é a destinação da arrecadação. O texto prevê que, até 2028, parte dos recursos provenientes das bets será usada para compensar perdas de estados e municípios decorrentes da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas. A partir de 2029, o adicional de 6% será direcionado à seguridade social – ou seja, ao financiamento de saúde, previdência e assistência social.
Para quem mora em cidades menores, isso pode significar mais recursos para escolas, hospitais e obras de infraestrutura. No entanto, a eficácia dependerá de como o governo federal repassará esses recursos e da capacidade dos entes federados de absorver e aplicar o dinheiro.
O lado crítico: argumentos contra a taxação maior
Como toda medida fiscal, a proposta tem seus críticos. Entre os principais argumentos estão:
- Competitividade internacional: se o Brasil elevar demais os impostos, empresas podem migrar para países com regimes mais leves, reduzindo a base tributária a longo prazo.
- Impacto sobre a informalidade: apostas já são alvo de práticas ilegais. Um aumento de carga pode incentivar ainda mais o surgimento de operadores “off‑shore” que escapam da regulação.
- Desestímulo à inovação: fintechs são vistas como motor de inclusão financeira. Taxas maiores podem frear o desenvolvimento de novos produtos e serviços que beneficiam consumidores não bancarizados.
Esses pontos foram levantados por representantes do setor e por economistas que defendem que a solução para o déficit não pode ser apenas “mais impostos”, mas também a melhoria da eficiência da arrecadação e a redução de gastos desnecessários.
Como o governo pretende equilibrar a balança?
A medida faz parte de um esforço maior do Executivo para compensar a perda de receita causada pela recente ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. A ideia é que, ao aumentar a tributação de setores que cresceram rapidamente, o Estado consiga fechar o buraco nas contas sem recuar nas concessões feitas à população.
Além disso, o projeto traz um programa de regularização tributária para contribuintes com renda mensal de até R$ 7.350. Essa iniciativa permite parcelar dívidas com condições especiais, o que pode ajudar a melhorar a arrecadação de forma menos agressiva.
O que esperar nos próximos passos?
Para virar lei, o texto ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e ser sancionado pelo presidente Lula. O prazo para recurso ao Senado é de cinco dias úteis, mas, até o momento, não há indícios de que haja um grande movimento de oposição. Caso a proposta siga sem alterações significativas, a primeira fase de transição (12% → 15%) deve entrar em vigor já em 2026.
Vale ficar de olho nas discussões na Câmara, pois os deputados podem propor emendas que alterem os percentuais, a data de início ou a destinação dos recursos. Também é possível que o governo apresente medidas complementares para estimular o setor de fintechs, como incentivos à inovação ou regimes especiais de tributação para startups.
Como se preparar?
Se você quer minimizar o impacto no seu bolso, aqui vão algumas dicas práticas:
- Revise seus gastos com apostas: compare diferentes plataformas e veja se alguma oferece promoções que compensem o aumento da taxa.
- Considere opções reguladas: apostar em sites que têm licença no Brasil pode garantir maior segurança e menor risco de fraudes.
- Analise as fintechs que você usa: verifique se há mudanças nas tarifas de serviços que você utiliza com frequência, como transferências ou saques.
- Planeje suas finanças: se você tem dívidas com a Receita ou a PGFN, aproveite o programa de regularização para parcelar em condições mais favoráveis.
- Fique atento às notícias: mudanças legislativas costumam ser acompanhadas de regulamentações detalhadas que podem trazer novas oportunidades ou obrigações.
Conclusão: um balanço entre arrecadação e crescimento
O aumento da tributação sobre bets e fintechs reflete a tentativa do governo de encontrar recursos para equilibrar as contas públicas sem recuar nas recentes concessões ao contribuinte pessoa física. Para o cidadão, isso pode significar preços um pouco mais altos nas apostas e, possivelmente, pequenas tarifas a mais nas fintechs que usamos diariamente.
Mas há também um lado positivo: a proposta traz mecanismos para combater operadores ilegais, o que pode tornar o mercado mais seguro. E a destinação de parte da arrecadação para saúde e seguridade social pode gerar benefícios indiretos à sociedade.
Como tudo na política fiscal, o sucesso da medida dependerá da sua implementação e da capacidade do Estado de usar esses recursos de forma eficiente. Enquanto isso, a melhor estratégia é ficar informado, comparar opções e ajustar o orçamento pessoal para não ser pego de surpresa.
E você, já percebeu alguma mudança nas suas apostas ou no uso da sua fintech favorita? Compartilha comigo nos comentários – adoro trocar ideias sobre como essas decisões do Congresso chegam até a nossa xícara de café.




